Uma gloriosa revolução

RAUL DE ALMEIDA  28.03.17  JORNAL ECONÓMICO 
A crise do Ocidente é moral e ideológica, não é económica. Só uma revolução de ideias, compromisso, mobilização coletiva e valorização da Pessoa nos pode salvar de um destino estéril. 

Não me canso de falar ou de escrever sobre os riscos da morte das ideologias, da sumissão da política ao primado de uma governação economicista. Mais do que nunca, no choque de civilizações em curso, na dispersão do sentimento de pertença europeu, as ideologias fazem falta, o regresso do primado da política é urgente. O mundo ocidental, o que ainda resta dele, está exangue, desorientado, sem uma ideia mobilizadora, sem um rumo que conduza a um projecto futuro, que exija o regresso da Pessoa ao centro de tudo.
Enquanto a lógica orientadora do exercício do poder se fundar no condicionamento dos grandes grupos transnacionais sem rosto conhecido, enquanto homens não escrutináveis, como Soros, ditarem na sombra as grandes leis reguladoras do mundo, enquanto finança e economia se misturarem ao serviço exclusivo uma da outra e não ao serviço da sociedade, é facil chegar ao ponto de desligamento e desmotivação em que nos encontramos.
O Ocidente empreendeu uma longa e tenaz guerra com Deus, afastando-O hostilmente do espaço público, vendendo ao Homem a ideia de uma falsa auto-determinação, de facilitação dos prazeres superficiais, de desresponsabilização perante qualquer sistema de ordenamento moral. Curiosamente, ou não, esta estratégia jacobina assenta num atropocentrismo enganador, num engodo que cria a ilusão do Homem central e dono de si próprio para atomizar o seu papel relacional e de pertença, fragilizando a sociedade, tornando-a mais fraca para mais facilmente ser manipulada.
A crise do Ocidente é moral e ideológica, não é económica. Enquanto os governos, da esquerda à direita, preferirem a meta do défice a metas sociais. Enquanto priveligiarem o crescimento económico, sem exigir que sejam as pessoas quem primeiro beneficia desse crescimento. Enquanto a preocupação com o capital e a sua perpetuação for hermética, esquecendo que o capital só é bom se se encontrar ao serviço do Homem. Aí, não tenhamos dúvidas, teremos as portas cada vez mais escancaradas ao populismo indígena e à agressão exógena.
Já por aqui escrevi sobre o fogo das questões fracturantes que a esquerda vai disparando com precisão para distrair a sociedade das suas acções de fundo, criando ruído, divisão, dispersão e enfraquecendo os laços que ligam uma nação. O que não conseguiram desde o início do século XX através da opressão, do terror e do medo, vão conseguindo desde o final dos anos 1960 com a falsa autonomia individualista e o relativismo ético predominantes. Esgotadas, porque contra a sua natureza, as pessoas precisam de valores, de sentimento de pertença, de voltar ao centro num processo de valorização; foi esta a guerra entre Clinton e Trump, e viu-se quem a ganhou. É esta a guerra em curso em muitas eleições europeias, com desfecho ainda incerto no médio e longo prazo.
Os populistas, trabalhando eficazmente sobre os estragos do jacobinismo, ocupam um lugar por preencher na sociedade actual. Os populistas não fazem mais do que ocupar o espaço que deveria ser liderado por homens e mulheres comprometidos politicamente com a Pessoa, com o desenvolvimento da Democracia e de uma sociedade de bem-estar. Os populistas crescem nos campos queimados da esquerda relativista e do capitalismo selvagem, perante a ausência de quem tem capacidade de fazer melhor e muitíssimo mais.
A democracia cristã e a social-democracia, de que são tributários os três partidos democráticos portugueses, e a maioria dos grandes partidos de governo europeus, lembram o partido de Ataturk, outrora grandioso, hoje perdido num auto-contentamento feito da satisfação que o conforto das pequenas benésses alimenta; nunca mais mandará, nunca mais ajudará a que a Turquia cumpra o sonho de Mustafa Kemal.
Não restam dúvidas de que só uma revolução nos pode salvar de um destino estéril – uma revolução de ideias, de compromisso, de mobilização colectiva, de valorização da Pessoa. Não é uma revolução armada, é muitíssimo mais difícil, porque a paz é sempre mais exigente. O Reino Unido prevalece até hoje porque nunca teve uma revolução convencional, teve melhor, teve a sua muito própria Glorious Revolution. Porque temos sempre de dar um nome às coisas, pensemos na urgência desta gloriosa revolução. Por nós.

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