Tríudo Pascal :: Sexta-feira Santa


Na sexta-feira santa recorda-se a Paixão e morte do Salvador.

Todas as funções deste dia estão repassadas de luto pesado, pois é dia consagrado ao memorial da morte de Nosso Senhor:
Os paramentos negros. A omissão do Dominus vobiscum (O senhor esteja convosco). A falta de instrumentos de música. Nenhum toque de sinos. O altar, frio e despido. Desocupado e aberto, o tabernáculo. Na frente dele, uma cruz com véu negro. Nos candelabros, há velas de cera amarela como nos dias de funerais. Em tudo reina a tristeza, a desolação profunda.
É, para a Igreja, um dia especialíssimo, portanto, de grande silêncio, oração, penitência, sobretudo jejum e abstinência de carne.
Nesse dia não há ofertório e nem consagração, mas faz-se a comunhão eucarística.
A celebração da Paixão do Senhor é constituída de três partes: A liturgia da palavra, a adoração da cruz e a comunhão eucarística.

Liturgia da Palavra
Às três horas da tarde inicia-se a celebração da Paixão do Senhor. O celebrante e os ministros sagrados são paramentados de preto em sinal de grande luto. Chegando ao pé do altar, prostram-se, e rezam em silêncio por alguns instantes. Esta atitude humilde é a expressão da mágoa imensa que lhes acabrunha a alma com a evocação do grande mistério do Calvário. Durante este tempo, estende-se no altar uma só toalha, recordando o Sudário que serviu para envolver o Corpo de Nosso Senhor.
Então, o sacerdote sobe os degraus do altar e oscula-o.
Estando todos sentados, são feitas as duas primeiras leituras com o respectivo salmo. Logo a seguir, é cantada a Paixão segundo São João, da mesma forma que foi feito no domingo de Ramos.
Quando chega na parte em que diz que Nosso Senhor entregou o seu espírito, todos ajoelham, e ficam assim por alguns instantes.
Canta-se a Paixão de Jesus Cristo segundo o evangelho de São João, porque ele é o quarto evangelista e porque, ficando debaixo da cruz, foi testemunha ocular da crucificação. Por isso convém que seja ouvido neste dia.
Durante muitos séculos, os fiéis procuravam, nesse dia, não fazer barulho e, especialmente, evitavam bater em algo, evitando a sensação daquele ruído terrível do martelo cravando Jesus na Cruz. 
Nada de canto, de música, de sinais de alegria, de recreação. Trabalhava-se o mínimo possível, só naquilo que era de extrema necessidade. O tempo era para oração, leitura, meditação, avaliação da vida, partilha do sofrimento de Jesus.

Oração Universal
Acabado o canto da paixão, começa o celebrante as Orações conhecidas por Admoestações porque o prelúdio consta, para cada uma, de advertência, a modo de prefácio em que o sacerdote diz o objeto da prece a seguir. São nove estas orações, e são tidas como de origem apostólica.

O celebrante reza:
 - Pela Santa Igreja;
 - Pelo papa;
 - Por todas as ordens e categorias de fiéis;
 - Pelos catecúmenos;
 - Pela unidade dos cristãos;
 - Pelos judeus;
 - Pelos que não crêem em Cristo;
 - Pelos que não crêem em Deus;
 - Pelos poderes públicos;
10º - Por todos os que sofrem provações.
A Igreja reza nessas rogações, pelos que nunca pertenceram ou já não pertencem ao seu grêmio.

O motivo é para que não nos esqueçamos que o Salvador morreu por todos os homens, e para implorar em benefício de todos os frutos da sua Paixão.
Entre cada uma das orações que são feitas, o diácono diz: Flectamus genua (Ajoelhemos). 
Então todos se ajoelham por alguns instantes, e rezam em silêncio, até que o mesmo diácono diga: Levate (Levantemos), e, então, todos se levantam.

Adoração da Santa Cruz
Na sexta-feira santa adora-se solenemente a Cruz, porque, tendo sido Jesus Cristo pregado na Cruz, e tendo morrido nela naquele dia, a santificou com o seu Sangue.
A cerimônia da adoração da cruz, tem a sua origem por volta do século IV, na veneração da verdadeira cruz conservada em Jerusalém. 
A cruz era colocada numa mesa coberta com um pano branco. Os fiéis veneravam-na, tocavam com a fronte e os olhos; não podiam tocá-la com as mãos,nem com a boca. E isso por um motivo muito singular: em certa ocasião um devoto arrancou com os dentes um fragmento da relíquia da santa cruz.

Atualmente a imagem do Crucificado é colocada sobre um pano roxo estendido nos degraus do altar ou do coro.
O ritual dessa cerimônia tem um procediemento próprio: O celebrante tira a casula e, ficando ao pé do altar, descobre o alto da cruz e canta: "Ecce lignum Crucis" (Eis o lenho da Cruz do qual pendeu a salvação do mundo). 
Os ministros que lhe assistem, continuam com ele: "Venite, adoremus" (Vinde adoremo-lo). Ao mesmo tempo, prostram-se todos.

O celebrante, não se prostra. Ele vai para o lado direito do altar; descobre o braço direito da cruz, mostrando-o, e repete em tom mais elevado: "Ecce lignum Crucis", etc.

Em seguida vai para o meio do altar. Ali chegando, descobre completamente a cruz, ergue-a e canta pela terceira vez, em tom ainda mais alto: "Ecce lignum Crucis", etc.

A cruz, então, é depositada pelo oficiante nos degraus do altar, para que seja adorada por todos os clérigos e fiéis presentes.
O canto: Ecce lignum Crucis é usado desde o século IX.
A cruz é desnudada para lembrar que o Filho de Deus foi desnudado por seus algozes.
Esta cerimônia é feita em três atos para significar três atos principais de irrisão de que foi vítima Nosso Senhor Jesus Cristo:
 Quando, no átrio do sumo sacerdote, cobriram a santa face de Nosso Senhor, e lhe deram bofetadas. Por isso a primeira vez não se descobre a santa face do crucifixo (Lc 23, 64).
 Quando o Rei da glória, coroado de espinhos, foi escarnecido pelos soldados com genuflexão e as palavras: "Ave, rei dos Judeus". Por isso na segunda vez se mostra a santa cabeça e a santa face do Rei do universo (Mt 27, 27-30).
 Quando o Filho do Todo-poderoso, despojado dos seus vestidos, estava crucificado e foi insultado com a blasfêmia: "Ah! Tu podes destruir o templo e outra vez o edificar; salva-te!" Por isso, na terceira vez o crucifixo se mostra todo descoberto (Mt 27, 40).
Durante a adoração da Cruz, cantam-se as antífonas chamadas "Impropérios" (do latim improperium, que quer dizer "censura"), porque encerram repreensões dirigidas ao povo judeu pela voz dos profetas. 
Cada antífona destas enumera um determinado benefício com o qual Deus favoreceu o povo eleito e mostra uma ingratidão correspondente a esse favor praticada pelo mesmo povo.

Missa dos Pressantificados
Antigamente chamava-se essa terceira parte da celebração da Paixão do Senhor, "Missa dos Pressantificados":

1 - Missa. Na verdade, não é muito próprio o termo, pois não há consagração e, portanto, sacrifício. Deram-lhe, no entanto, este nome, porque repete certo número dos ritos da missa.

2 - dos Pressantificados. Por causa da Santíssima Hóstia, consagrada na Missa da Quinta-Feira Santa. O vocábulo Pressantificados significa, pois, dons santificados, consagrados previamente.
Estando para terminar a Adoração da Cruz, acendem-se as velas do altar e vai-se, em silêncio, em procissão, à capela onde encontram-se as hóstias consagradas. O cortejo volta trazendo a Santa Reserva, as partículas consagradas. 
Entoa-se um canto. Não será mais o Pange língua porque é um hino de júbilo, mas entoa-se o Vexilla Regis, que é o hino da Cruz, um hino pungente.
Quando a procissão regressa, o Celebrante coloca sobre o altar o Santíssimo Sacramento. Depois, diz Orate frates (Orai Irmãos)etc; mas ninguém responde,e logo vem a oração do Pai Nosso com o respectivo prefácio.
Então, ergue na patena a Sagrada Hóstia, para os assistentes adorarem. 
Faz a fração como na missa ordinária, diz a terceira oração antes da comunhão e o "Domine non sum dignus" ("Senhor eu não sou digno").

Finalmente, comunga, toma as abluções e retira-se em silêncio.

Recitam-se agora as Vésperas, sem canto, sem luzes, querendo mostrar, com isso, que se apagou, morrendo na cruz, a luz do mundo, Nosso Senhor Jesus Cristo.
O celebrante não diz: Pax Domini (A paz do Senhor), nem a primeira oração antes da comunhão, porque não se dá a paz no dia em que Nosso Senhor foi repelido pelos que o mataram com o grito: "Não temos rei".
O celebrante não diz: "O Senhor esteja convosco", porque o único sacerdote, Jesus Cristo, foi morto e não pode mais falar, e não está mais conosco.
Por Emílio Portugal Coutinho.

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