O trunfo de Trump

JAIME NOGUEIRA PINTO   DN   09.02.17


Não me lembro de ver tão furiosa raiva e intolerância como as que temos visto nos media e nos "comentadores de referência" desde a eleição de Donald Trump. Ao ponto de outros adversários do novo presidente virem agora dizer que, pior do que Trump, só os inimigos de Trump.
O 45.º presidente dos Estados Unidos não é propriamente um erudito ou um pensador político. Nem sequer era, até agora, político. Tem uma linguagem directa, às vezes brutal, e parece disposto a fazer seguir o acto à palavra. A forma dos seus discursos e declarações aboliu em absoluto as correcções ideológicas e diplomáticas e presta-se à redução ao absurdo.
Mas o que à esquerda e aos liberais da direita e do centro chiques mais dói não é esta forma tosca, directa ou brutal de Trump ou mesmo os seus lamentáveis erros, confusões ou medidas precipitadas e mal articuladas - como proibir por 120 dias a entrada de cidadãos de sete países de maioria islâmica. É evidente que quem desses países viaja para os Estados Unidos são mais depressa pessoas com boa ligação aos EUA - como os intérpretes iraquianos, que trabalham com a Inteligência e os militares ou os dissidentes políticos dos governos (iranianos ou sírios) que os Estados Unidos consideram hostis. O que mais os incomoda, confunde e enfurece é que um programa contrário aos princípios e objectivos políticos do internacionalismo liberal e da esquerda progressista tenha chegado ao poder na nação mais poderosa da terra pela mão de um "milionário populista e troglodita".
Fazem a amálgama dos princípios e do acidente, da política e do homem. Assim, a campanha anti-Trump incendeia os pilares da comunidade intelectual e jornalística, as estrelas de Hollywood, as socialites de Upper Manhattan e os esquerdistas que partem montras na 5.ª Avenida. E, claro, chega à alegre periferia lusa, dita e repetida por arautos da moral institucional de todas as origens e até por "gente normal" e inteligente que não resiste à "vulgaridade" e ao "simplismo" do homem Trump.
E os mitos urbanos atingem também a sua administração, que, curiosamente, não é exclusivamente formada por trumpistas mas também pelos que nas audições do Senado defenderam pontos de vista diferentes dos do "patrão" sem que ele os tivesse "despedido". O próprio presidente começa agora a tomar posições mais equilibradas em relação à Rússia, ao Irão ou mesmo a Israel.
É também curioso que os intelectuais e jornalistas que passam o tempo a denunciar a mentira e a incoerência dos políticos que prometem uma coisa e fazem outra se queixem agora de Donald Trump por estar a cumprir em ritmo acelerado aquilo que prometeu em campanha.
E perante este "mau maior", os ídolos dos internacionalistas, da esquerda pós-trotskista ao centro liberal, passaram agora a ser a senhora Merkel e o presidente Xi Jinping da China. Contra Trump, o capitalismo explorador da chanceler parece já não embaraçar os esquerdistas como não importuna já os direitistas o autoritarismo nacional de Xi Jinping.
Mais interessante do que amaldiçoar esta vaga nacionalista e identitária, que leva as classes médias, médias-baixas e trabalhadoras a votar programas alternativos ao discurso (até agora) triunfante, seria tentar perceber por que é que isto é assim e por que é que triunfa contra forças sistémicas que pareciam invencíveis.
É que a força de Trump não está em comunicar por Twitter, nem no modo desabrido de neutralizar os seus rivais republicanos, nem na sua oratória para "americanos zangados com as elites liberais". Tudo isso contou e conta, sem dúvida, mas o mais importante foi e é ter percebido a força de um valor que as elites esclarecidas das duas margens do Atlântico arrogantemente criminalizaram e deram como morto - a nação, o Estado Nacional, a identidade nacional.
Richard Lowry, editor da National Review e conhecido crítico de Trump, escrevia no passado 25 de Janeiro:
"O Estado-nação está de volta, apesar das previsões do seu desaparecimento e de todas as forças que supostamente o teriam enterrado. Não está mais desaparecido do que a religião, que também nos disseram que iria extinguir-se, com a humanidade a aderir a um futuro mais secular e cosmopolita. [...] A lição é que é um erro profetizar o declínio inevitável de coisas que dão sentido à vida das pessoas e envolvem laços humanos fundamentais. A nação é uma delas, uma coisa que Trump, mesmo que não veja mais nada, compreende instintivamente."
Por isso ganhou. Apesar de tudo.

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