O Avô Paulo quer ser eutanasiado
ISILDA PEGADO 12.02.17 VOZDAVERDADE
O avô Paulo, desde que a sua Mimi “partiu” e este cancro apareceu está numa enorme tristeza. Entre os tratamentos de quimioterapia e a notícia de que não haverá muito a fazer por parte da medicina… gerou-se nele a ideia de que “já não está cá a fazer nada”.
O avô Paulo tem 84 anos, duas filhas maravilhosas, 5 netos que são o seu orgulho. Mas, sente-se cansado, triste e parece-lhe que é um peso para a família, para os médicos e “para todos” – como ele diz: “Que estou cá a fazer?”. Sou um peso para todos?
Em conversa, muito privada, disse à filha Ana que estava a pensar seriamente em pedir a eutanásia. Apenas queria preveni-la, sem grandes alaridos. A Ana não continha as lágrimas e respondeu-lhe: “Agora que os meus filhos estão casados e eu estou reformada da escola e posso estar mais tempo com o paizinho, diz-me isto? Os miúdos adoram-no… O paizinho já pensou na alegria dos almoços de domingo? Nas festas de família?”.
A Ana foi dizer à irmã Rita a ideia do pai. As duas não paravam de chorar. Perguntavam-se: “Onde falhamos?”, “A culpa é nossa…”.
Os cinco netos e os genros souberam da ideia do avô Paulo. Fez-se um jantar de família onde o avô Paulo disse: … nas circunstâncias em que me encontro, não pedir a eutanásia (agora que está legalizada) é ser egoísta, vocês têm mais que fazer do que andar comigo de hospital para hospital e de tratamento para tratamento…”.
Os genros diziam que o pai deveria ter consulta de psiquiatria porque talvez houvesse ali uma leve depressão… que precisava de ser tratada.
Os netos contavam as histórias dos natais e das férias na Beira na aldeia do avô. Mas nada demovia o avô Paulo.
O avô tem autonomia dizia o Rui, qualquer médico lhe passa a “carta”. Como vamos saber? A Teresa que está a acabar enfermagem dizia: “a mãe fala com os médicos. Quer que eu fale?”.
O avô anunciou que dentro de 15 dias teria tudo tratado. Estava informado.
O João disse: “Agora, avô? Eu vou casar no próximo mês de Junho. O avô não vai ao meu casamento?”.
A Rita disse: “Pai, a Joaninha está na China a acabar o estágio e regressa em Maio. O pai não se quer despedir dela?”.
A Sandra que é mais sisuda e que assiste a tudo com uma certa distância disse: “Sabe avô, eu estou grávida de quase 4 meses, estava á espera dos seus anos para o anunciar. Eu e o Pedro vamos ter um rapaz. O avô não quer conhecer este seu bisneto?”.
O avô, abriu os olhos, baixou a cabeça e voltando a levantá-la disse: “Que raio de lei – eutanásia – não sei o que me tem feito sofrer mais, se a doença e a saudade da vossa avó, se este peso de ter de decidir quando acaba a minha vida. Nos meus tempos da revolução cantei muitas vezes “eu nem sequer fui ouvido no acto de que nasci” porque não o digo agora…”. Em cada dia há uma esperança.
O avô Paulo que foi um cumpridor funcionário público, zeloso e agraciado com louvores, nunca foi muito dado à Igreja. Mas naquela hora perante o mar de Esperança que tinha à sua volta disse: “Vive-se até que Deus queira… Vive-se até que Deus queira… Desculpem-me esta minha tontice, em vez de vos ajudar ainda vos dou mais este trabalho. Sandra já tens nome para o vosso filho?”. A Sandra respondeu: “Talvez se chame Paulo!”.
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