E se aparecesse um anjo...

José Maria C.S. André    26.02.17
Correio dos Açores,  Verdadeiro Olhar,  ABC Portuguese Canadian Newspaper,  Spe Deus, Clarim, O Alcoa, 26-II-2017

O último número da «Civiltà Cattolica» (uma revista editada pelos jesuítas, que funciona há quase 200 anos como órgão oficioso da Santa Sé) transcreve o diálogo do Papa Francisco com os Superiores Gerais das ordens religiosas, em 25 de Novembro passado. A conversa aborda muitos temas e as respostas são densas e interessantes. Também falaram do sacrifício e o Papa referiu-se concretamente ao cilício. Contou que lho apresentaram logo que entrou nos Jesuítas e afirmou que era útil: «mas atenção: não é para eu mostrar como sou bom e forte. A verdadeira ascese deve fazer-me mais livre. Considero que o jejum continua actual: mas como é que eu jejuo? Simplesmente deixando de comer? (...) Há uma ascese diária, pequena, que é uma mortificação constante».

Não sei justificar o efeito do sacrifício. Acredito no valor do sacrifício exactamente como na presença de Jesus na Eucaristia, porque Ele o disse. Em diversas circunstâncias, Jesus colocou os seus discípulos entre a espada e a parede, com perguntas do género: «também quereis ir embora?». Passados tantos séculos, ainda não se arranjou resposta melhor que a de Pedro. Em suma: não percebo, mas se és Tu quem o diz... Pedro é a sensatez em pessoa, porque Deus não Se engana nem nos pode enganar, mas a incompreensão permanece, independentemente de se acreditar em Deus e na Igreja. Porque é que o sacrifício é útil? Mistério!

Há casos simples. O sacrifício de um tratamento médico compreende-se. O sacrifício de acompanhar alguém que precisa de ajuda também. Até se compreende o treino desportivo, ou o esforço para ganhar uma competição. O difícil é compreender o sacrifício de Jesus, jejuando 40 dias e 40 noites; ou o sacrifício que a Igreja nos pede de jejuar certos dias da Quaresma: para quê?

Quando o Anjo apareceu aos Três Pastorinhos, em Fátima, fez-lhes um pedido estranho: «Oferecei constantemente ao Altíssimo, orações e sacrifícios de tudo o que puderdes, em acto de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores». E, logo no primeiro encontro com eles, Nossa Senhora perguntou: «Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser enviar-vos, em acto de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores?».
A proposta é simples: a pessoa sacrifica-se (sem ninguém ver) e isso redunda em bem para os outros. Mas como? O Anjo lá sabe... As crianças, não perguntaram como. Aceitam? Aceitaram. A partir daí, ofereciam muitas vezes o almoço aos pobres, procuravam coisas amargas, não bebiam água no auge do calor, apertavam uma corda áspera à volta do corpo, até magoar, e ofereciam a Deus as doenças, as incompreensões e o medo.
Com a perspectiva dos anos que já passaram, o Anjo tinha razão. O sacrifício daquelas crianças beneficiou uma multidão que elas não podiam imaginar, nem chegaram a conhecer. Pelo efeito misterioso desses sacrifícios escondidos, muitíssimas pessoas se converteram e mudaram de vida, em Portugal e no resto do mundo.
Deu resultado, mas permanece a incógnita acerca de como esses sacrifícios transformaram o mundo. Não sei responder, mas pergunto-me: se um Anjo, ou o Papa, me fizessem a proposta de me sacrificar mais nesta Quaresma, como é que eu reagiria?


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