Hoje 2 FEV: Lançamento de "Ditadura ou Revolução?"
DITADURA OU REVOLUÇÃO?
de José Luís Andrade
Do lúgubre atoleiro em que desaguou a I Grande Guerra emergiram violentas
correntes revolucionárias, como que manifestações espectrais da putrefacção dos
pântanos em que as sociedades de referência se haviam transformado. Com o
apoio interesseiro do império germânico, a Revolução Russa irrompeu
febricitante, qual estrela da manhã anunciadora de auroras avermelhadas,
promissoras de esperança e de resgate. Era uma fé adolescente que oferecia um
mundo novo sobre os escombros da sociedade burguesa liberal cujos próceres
havia que sacrificar propiciamente nos altares revolucionários, usando a velha
liturgia do rito jacobino. Incapazes de lidar com a agitação em cadeia que, de
forma organizada, punha em movimento as massas «indigentes», as democracias
parlamentares estrebuchavam, reagindo de forma avulsa aos variegados arietes
disruptivos.
No canto sudoeste da Europa, o Portugal profundo, prostrado pela irresponsável
entrada no teatro central do grande conflito, olhava para o céu ansioso por uma
manifestação do providencialismo divino. As elites, sobretudo as afectas ao
Partido Democrático, que através de um bem controlado esquema eleitoral se
parecia eternizar no poder, viviam cada vez mais divorciadas do povo. O
interregno cesarista do major Sidónio trouxera ao «país real» uma promissora
abordagem às questões da ordem social e da solvência das contas do Estado, que
persistia em ameaçar bancarrota. E, após uma circunstancial recaída, não foi com
grande surpresa que o país assentiu, de forma activa ou passiva, à recuperação do
paradigma da intervenção castrense no controlo do Estado. Mas se os militares
pareciam conseguir resolver a questão da ordem a contento, já o problema
financeiro exigia uma solução mais académica. Nesse contexto, quase
impercetivelmente, um sóbrio professor de Coimbra acabaria por se impor como
Ditador – o das Finanças e o da Nação.
Ao lado, a Espanha, ensimesmada, lambia ainda as feridas do colapso do seu
Império às mãos dos Estados Unidos, com a perda de Cuba, de Porto Rico e das
Filipinas na desastrosa guerra de 1898. Querendo reservar para si o papel de
árbitro do conflito de 1914-18, pusera-se em bicos-dos pés perante os dois blocos
em confronto e não participara na Grande Guerra. Mas nem por isso foi mais
poupada pelos ventos que sopravam de leste. Sobre a concorrência de uma forte
implantação anarquista, um Partido Socialista robustecido pelo colaboracionismo
com a ditadura do general Primo de Rivera, seria a caixa-de-ressonância das
correntes mais extremistas, catalisada pelo trabalho de sapa das organizações de
exportação revolucionária do Kremlin. Quando, com a reimplantação da
República, a ocasião se propiciou, os socialistas encararam sem rebuço um
projecto de conquista hegemónica do poder, cavalgando as correntes burguesas
mais «progressistas», unidos na «barca da nova aliança» construída nos estaleiros
da URSS – a Frente Popular. Sem a «vacina da Grande Guerra» (que fora
compulsivamente administrada em Portugal), sem a esperança de alinhavo do
tecido social trazida pelas Aparições de Fátima, o conflito interno de uma Espanha
irredutivelmente dilacerada iria surgir inevitavelmente.
Sem perder de vista o equilíbrio entre intentio, ratio e emotio, o amor à verdade
levou-me a abordar questões muitas vezes escamoteadas pela histografia vigente.
Decapando as visões «presentistas», viciadas pelos óculos do «salazarismo» e do
«franquismo», procurei respostas para as verdadeiras razões da eclosão da última
guerra civil espanhola, ao mesmo tempo que especulava sobre os motivos por que
ela não eclodiu em Portugal. Folheando a narrativa comentada que constitui o
novelo central do livro, cruzar-nos-emos com as divergentes visões ideológicas
sobre o papel do Estado na sociedade. Desde o minimalista princípio da
subsidiariedade até à estatização total, passando pelo controlo oligárquico quer da
burocracia quer dos sectores infraestruturais e productivos, potenciadores de
nepotismo e corrupção endémica. Ou questões como a escolha entre o primado da
economia e o do orçamental e o são controlo das contas do Estado. E interrogamo-
nos sobre se estaremos hoje assim tão longe das razões que originaram e
potenciaram a terrível decisão entre as ditaduras autoritárias e as tiranias
revolucionárias.
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