Trump e o resgatar do Liberalismo (*)
PEDRO NORTON WWW.ESCREVERETRISTE.COM 18.02.17
Anda para aí uma grande confusão sobre a legitimidade de Trump e dos seus atropelos a muitos dos valores fundamentais das nossas sociedades ocidentais.
Não quero dar lições de ciência política a ninguém mas permitam-me que tente contribuir para este debate tentando clarificar duas ideias geradoras de grandes equívocos: Democracia e Liberalismo. Embora estes dois conceitos tendam, nas nossas sociedades ocidentais, a concretizar-se, na praxis política, de forma complementar (por isso falamos em regimes demo-liberais) a verdade é que cada um deles fornece uma resposta diferente a uma pergunta diferente.
A Democracia responde a uma pergunta tão simples quanto antiga: Quem deve governar? E responde de forma inequívoca: a colectividade dos cidadãos, o povo. O povo (defini-lo historicamente dava pano para mangas e para outra história) é a única fonte de soberania admissível em democracia. Pode governar de forma direta ou indireta. Pode deliberar por maioria, por maioria qualificada, ou até por unanimidade. Mas não há dúvida sobre quem, em última análise, governa.
Já o liberalismo reponde a uma pergunta muito diferente: quem quer que seja que exerça o poder, quem quer que seja que governe, fá-lo com que limites? Ou, dito de outra forma, qual é a esfera do político? Qual é a esfera relativamente à qual se podem tomar decisões políticas (sejam elas democráticas ou autocráticas)? A resposta, mais uma vez é cristalina: todos nós temos direitos fundamentais (naturais?) que são prévios à instituição de qualquer regime ou sociedade políticos.
A Democracia responde a uma pergunta tão simples quanto antiga: Quem deve governar? E responde de forma inequívoca: a colectividade dos cidadãos, o povo. O povo (defini-lo historicamente dava pano para mangas e para outra história) é a única fonte de soberania admissível em democracia. Pode governar de forma direta ou indireta. Pode deliberar por maioria, por maioria qualificada, ou até por unanimidade. Mas não há dúvida sobre quem, em última análise, governa.
Já o liberalismo reponde a uma pergunta muito diferente: quem quer que seja que exerça o poder, quem quer que seja que governe, fá-lo com que limites? Ou, dito de outra forma, qual é a esfera do político? Qual é a esfera relativamente à qual se podem tomar decisões políticas (sejam elas democráticas ou autocráticas)? A resposta, mais uma vez é cristalina: todos nós temos direitos fundamentais (naturais?) que são prévios à instituição de qualquer regime ou sociedade políticos.
Existe portanto uma esfera de inviolabilidade de direitos individuais que nenhuma maioria democrática pode pôr em causa. A “tirania da maioria” tem limites. E esses limites são os direitos fundamentais (à vida, à propriedade, etc.) que são habitualmente consagrados por via constitucional.
É evidente que na longa história da construção dos regimes demo-liberais algumas tradições deram mais ênfase à componente democrática e outras à componente liberal dos nossos regimes políticos. Correndo o risco de uma simplificação excessiva, diria que a tradição continental (maioritariamente de raiz francesa) tende a acentuar a componente democrática dos regimes demo-liberais e a exaltar a soberania popular. Já a tradição de raiz inglesa (e americana) acentua a preocupação com a limitação dos poderes do Estado, exalta a importância dos direitos individuais prévios à constituição das sociedades políticas, da separação de poderes, das constituições.
Simplifiquemos para chegar ao que nos interessa. A tradição inglesa e americana tende a sublinhar o valor da liberdade. A tradição continental tende a defender o valor da igualdade. Acontece que existe uma permanente tensão entre estes princípios democráticos e liberais. Nas suas versões extremadas (digam o que quiserem os franceses com a sua “Liberté Égalité, Fraternité“) as duas tradições são mesmo incompatíveis: o liberalismo é incompatível com a democracia ilimitada. Já Hayek dizia (e cito mais ou menos de cor): “uma das maiores questões a que a teoria política terá de dar uma resposta é a de encontrar uma linha de demarcação entre os campos em que os pontos de vista da maioria devem prevalecer e os campos em que os pontos de vista das minorias devem prevalecer“.
Simplifiquemos para chegar ao que nos interessa. A tradição inglesa e americana tende a sublinhar o valor da liberdade. A tradição continental tende a defender o valor da igualdade. Acontece que existe uma permanente tensão entre estes princípios democráticos e liberais. Nas suas versões extremadas (digam o que quiserem os franceses com a sua “Liberté Égalité, Fraternité“) as duas tradições são mesmo incompatíveis: o liberalismo é incompatível com a democracia ilimitada. Já Hayek dizia (e cito mais ou menos de cor): “uma das maiores questões a que a teoria política terá de dar uma resposta é a de encontrar uma linha de demarcação entre os campos em que os pontos de vista da maioria devem prevalecer e os campos em que os pontos de vista das minorias devem prevalecer“.
Voltemos pois a Trump. Não há dúvida nenhuma sobre a sua legitimação democrática (o regime americano é o que é, e os colégios eleitorais fazem parte das regras do jogo democrático). Mas tenho as maiores das dúvidas sobre a legitimidade liberal de muitas das suas decisões. O homem está a tentar edificar um regime democrático profundamente iliberal. E é importante que isso se perceba. Por muito que custe a alguma esquerda que, de tanto recorrer ao insulto neo-liberal, perdeu a noção de que o liberalismo político não se opõe fundamentalmente ao socialismo ou à social democracia, mas ao totalitarismo, a verdade é que a única receita para combater Trump é mesmo o Liberalismo. O resto, lamento, é conversa.
(*) Ninguém nasce ensinado e muito do que aqui aprendi, se é que o aprendi bem, aprendi-o com José Manuel Moreira nos idos de 90 quando me deu para usar as sextas à noite e os Sábados de manhã a estudar ciência política no IEP da UCP. Para quem se interesse por estas coisas palpitantes recomendo a leitura de “Liberalismos: entre o Conservadorismo e o Socialismo”.
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