Presidenciais (I) e (II)

Presidenciais: os derrotados (I)
Helena Matos, Público 2010-12-02

Nestas eleições presidenciais, a dimensão pessoal tem qualquer coisa de doloroso para três dos candidatos

Ser candidato presidencial acontece a muito poucos. E os poucos que dão esse passo não raras vezes devem engolir em seco ao longo desses meses em que o seu nome e os seus rostos se tornam os protagonistas das campanhas.

De algum modo, as campanhas presidenciais são um paradoxo da política portuguesa: o interesse que suscitam é quase inverso à dimensão dos poderes presidenciais. Não sei se esse desmesurado interesse pode ser interpretado como um sinal do desejo de presidencialização do regime. O que já me parece indiscutível é que esta personificação das campanhas torna as presidenciais muito mais interessantes porque mais dramáticas. No fim, a derrota, a vitória, os bons e os maus resultados terão um rosto. Ao contrário das legislativas, em que são os partidos que ganham ou perdem as eleições, nas presidenciais há uma outra dimensão. A pessoal. E nestas eleições presidenciais essa dimensão tem qualquer coisa de doloroso para três dos candidatos.

As presidenciais de 2011 surgem com um vencedor antecipado. E nisso nada têm de inédito. O que as distingue é que três dos outros candidatos se arriscam a sair derrotados. Note-se que, nestas matérias, ser derrotado não é sinónimo de não ganhar. Manuel Alegre em 2006 não ganhou as eleições e, contudo, triunfou. Os partidos ganham ou perdem. Já o sabor da derrota e da vitória é aquele travo pessoal e intransmissível que os candidatos vão intuindo ao longo da campanha no olhar dos outros e que, terminado o frenesi dos últimos meses, confirmam quando finalmente se confrontam com o seu próprio olhar, que é como quem diz com a sua rotina.

Manuel Alegre - Se apenas pudesse escrever sobre uma candidatura, escolheria a de Manuel Alegre. Tal como em 2006, perante igual dilema, teria escolhido a de Mário Soares. Pois quando ao dramatismo inerente a qualquer candidatura individualizada e personificada como são as presidenciais se junta o sentimento de tragédia então temos história.

Afinal, no que respeita às campanhas felizes, delas bem se pode dizer o que o general espanhol Sabino Fernandez Campo dizia quando o interrogavam sobre a possibilidade de um dia escrever as memórias dos anos que passara ao lado de Juan Carlos: o que se conta não tem interesse e o que tem interesse não se conta.

Manuel Alegre, tal como os Bourbons que Sabino Fernandez Campo serviu magistralmente, não aprendeu nada e, infelizmente, ao contrário dos Bourbons, cuja memória é proverbial, nem sequer parece lembrar-se de nada. Em 2010, Manuel Alegre repete Mário Soares na campanha de 2005/6. Repete-lhe os erros ao responsabilizar os jornalistas e comentadores pelos seus maus resultados. Adopta-lhe o tom despeitado e deixa transparecer uma irritação com Cavaco Silva que só o desfavorece tal como desfavoreceu Mário Soares há cinco anos. E, sobretudo tal como Mário Soares em 2005/06, parece incapaz de perceber o que não funciona desta vez.

Para perceber a actual desorientação de Manuel Alegre, é preciso lembrar que ele gozou toda a sua vida não de uma boa imprensa mas sim de uma óptima imprensa.

Na verdade, não se lhe conhece nada de relevante na vida política do Portugal democrático. Só que isto que é válido para o bom também é para o mau, pois se de Manuel Alegre não se conhecem iniciativas que tenham marcado pelo brilhantismo ou pelo trabalho também não vimos o seu nome associado a situações menos claras. Mas nada disto bastaria para lhe dar esse estatuto privilegiado de que beneficiou até há alguns meses. Talvez os principais responsáveis tenham sido aquela voz fabulosa, aquele discurso em que se misturam ressonâncias aristocráticas e da esquerda mais conservadora - o que também é uma espécie de aristocracia. Talvez os poemas e aquele porte do homem que muitas mulheres gostavam de conhecer e com que muitos homens gostavam de se parecer tenham também dado a sua ajuda.

Mas isso agora pouco interessa. Porque agora, nesta campanha de 2010, esse estatuto excepcional desapareceu e, tal como Soares em 2005, Alegre irrita-se com os jornalistas por eles não o tratarem como sempre fizeram.

Note-se que mesmo que Manuel Alegre tivesse a capacidade de Costa Gomes para navegar em águas contraditórias, e já agora também a perspicácia do último marechal para antecipar sempre qual seria o lado vencedor, esta campanha ser-lhe-ia sempre dificílima. Mas Manuel Alegre não tem, infelizmente para ele, as capacidades de Costa Gomes nem, felizmente para Portugal, os seus defeitos.

Alegre está preso entre um PS que não sabe se o quer na Presidência da República e que tem outros problemas maiores a tratar, e um BE cujo apoio lhe é importante e obviamente não negado mas em que nem o candidato nem os seus apoiantes parecem confortáveis. Estão ali, apoiantes e candidato, porque decidiram que tinha de ser, mas o que tem de ser em política nem sempre tem muita força.

Por tudo isso, o homem do milhão de votos parece subitamente só. Agarrado durante estes quatro anos a esse milhão de votos, Manuel Alegre parece nunca ter percebido que a relação dos eleitores com os candidatos presidenciais termina no momento em que o voto é depositado nas urnas. Manuel Alegre parece não encontrar nesta campanha o seu milhão de eleitores. Há quem se tenha desencontrado de uma multidão muito maior: Ramalho Eanes, o homem que, em guerra com os partidos, entrou em 1980 no Palácio de Belém com o suporte de mais de três milhões de votos e acabou, anos depois, a contá-los pelas centenas de milhar.

Por ironia, os votos que Alegre vai receber em Janeiro de 2011, e que para que saia honrosamente desta campanha terão de ser significativamente mais de um milhão, não devem vir maioritariamente daqueles que votaram em si em 2006. Quem votou em Alegre em 2006 gostava dele. Em 2011, muitos dos que vão votar Alegre fazem-no porque querem derrotar Cavaco ou porque o seu partido assim o determinou. Mas não gostam dele e poucos se sentiriam seguros com ele em Belém. O candidato deve pagar-lhes na mesma moeda: na verdade, o Alegre irritado desta campanha é apenas a capa do poeta que tem saudades. De quem? De Portugal em 2006. O país em que ele foi feliz.

Fernando Nobre - Há dias, passei na Avenida de António Augusto Aguiar, junto da loja onde funcionou a candidatura de Fernando Nobre. O mobiliário já fora levado. Até o espaço infantil se sumira! No chão, começavam a amontoar-se as cartas que alguém enfiara sob a porta fechada. Qual loja falida, tudo o que tinha valor material fora levado. Só sobrou o que não tem preço: o nome do candidato colocado nos vidros que dão para a rua.

Ao contrário da maior parte dos portugueses, nunca fui uma admiradora de Fernando Nobre. Ou seja, do mesmo modo que o seu trabalho na AMI me parece digno de maior admiração irrita-me aquela postura de santidade laica e de superioridade moral que até ao anúncio desta candidatura Fernando Nobre arvorava para falar dos males do mundo. Mas aquele espaço de candidatura vazio inspirou-me um sentimento de pena. Que raio de destino leva um homem com um percurso profissional respeitado e respeitável a deixar-se enredar numa coisa destas?

Por aqui e ali, vou lendo notícias, sempre curtas e geralmente sem fontes, sobre os apoios, nomeadamente dos soaristas, que terão estado por trás desta candidatura. E o que há nisso de extraordinário? Todas as candidaturas têm apoios. Um dos problemas da candidatura de Fernando Nobre é precisamente que os seus apoios se parecem ter dado por satisfeitos com esse lançar do seu nome para a frente. E agora ele aí está. Apenas sendo notícia por casos da sua campanha, se é que tal termo se pode aplicar à sucessão constrangedora de problemas que lhe tem caído em cima.

Ao contrário do que se costuma dizer, o fenómeno Alegre de 2005/6 não mostrou que se pode fazer uma campanha sem máquina. Mostrou, sim, que se consegue montar essa máquina sem o apoio dos partidos. Atirar com um candidato para a frente e esperar que a campanha aconteça não só não é eficaz como não é honesto.

No site de campanha de Fernando Nobre, lê-se que esta é uma candidatura contra a indiferença e que a indiferença, a par da intolerância, é um dos grandes problemas do mundo. Deixando de lado a intolerância, que felizmente não afecta as nossas campanhas presidenciais, fiquemos então com a indiferença. Fernando Nobre tem razão quando aponta responsabilidades à indiferença. Mas nunca acertou muito bem com o lugar onde vive essa indiferença. Enquanto dirigente da AMI, obstinava-se em culpar por ela quase em exclusivo as democracias ocidentais. E, no que respeita à política, sobretudo às campanhas eleitorais, não percebeu a tempo que, pior que a indiferença dos eleitores, é a indiferença da máquina que deve suportar o candidato.

Foi essa indiferença que eu vi naquela sede vazia da António Augusto Aguiar. Ensaísta

Presidenciais: os derrotados (II)
Helena Matos, Público 2010-12-09

O PCP precisa de ter em Belém a direita, sobretudo se por direita se entender o muito social-democrata Cavaco Silva

Francisco Lopes - O que sentem os dirigentes do PCP no dia em que se lhes torna inexorável que vão ser candidatos presidenciais? Não sei, mas gostava de saber. Afinal ser candidato presidencial pelo PCP é como correr em duas pistas: a das presidenciais propriamente ditas, onde o PCP não tem qualquer hipótese de ganhar, e a desenhada pela estratégia do partido, onde os comunistas conseguem lugar na mesa dos vencedores. Neste enquadramento, os candidatos do PCP são apenas peões da táctica, a sacrificar no momento certo: em 1980, Carlos Brito desistiu a favor de um dos homens que derrotara o PCP no 25 de Novembro, Ramalho Eanes. Em 1986, Ângelo Veloso desistiu a favor de Salgado Zenha, que, anos antes, personificara o combate ao projecto comunista da unicidade sindical. Na segunda volta, os votos dos comunistas transferiram-se para Mário Soares, que personificara um projecto que o PCP definia, nos dias tolerantes, pelo menos como burguês e reaccionário. Note-se que os votos dos comunistas contribuíram fortemente para a vitória de Soares sobre Freitas do Amaral, pois no fim apenas 140 mil votos separavam os dois candidatos. Em 1996 Jerónimo de Sousa desistiu a favor de Jorge Sampaio, que se batia contra Cavaco Silva, na que terá sido a mais facilmente justificável destas desistências, pois Sampaio e o PCP tinham mantido uma coligação muito vantajosa para os comunistas na autarquia de Lisboa. Mas umas coisa são as explicações públicas, outra a realidade. Nas presidenciais o PCP não vota em quem gosta. Vota sim em quem deve. Destas três vezes, o PCP retirou os seus peões para ficar do lado dos vencedores, garantir influência em Belém e fazer o discurso da derrota da direita.

Quando os votos dos comunistas não podem ter um papel decisivo no escrutínio, como aconteceu nas recandidaturas de Soares e de Sampaio, o PCP leva as suas candidaturas até ao fim. Fê-lo em 1991 com Carlos Carvalhas e repetiu-o dez anos depois com António Abreu. A candidatura de Carvalhas foi um dos raros momentos em que nas presidenciais o PCP pôde celebrar um bom resultado oficial e não apenas, que já é muito, comprazer-se com a vitória de quem lhe dava jeito. Note-se que, quando Carlos Carvalhas entrou na corrida presidencial em 1991, tomou uma opção arriscada para si mesmo enquanto líder. Era o primeiro secretário-geral do PCP a fazê-lo, pois Álvaro Cunhal nunca aceitara submeter-se ao escrutínio e à exposição pressupostos numas eleições presidenciais. E sobretudo os comunistas tinham uma muito má experiência no que respeitava a levarem os seus candidatos até ao fim. Até então tinham-no feito apenas uma vez, em 1976, com a candidatura de Octávio Pato, e o resultado fora no mínimo doloroso: Octávio Pato teve uns escassos 365.586 votos, praticamente metade dos votos conseguidos pelo PCP nas eleições para a Constituinte em 1975 e nas legislativas de 1976. Em 1980 e 1986 o PCP fizera o jogo da desistência e transferência de votos. Mas em 1991, quando os votos do PCP não faziam falta alguma para a reeleição de Soares, Carlos Carvalhas apresenta-se ele mesmo como candidato e ganha, se por ganhar neste caso se entender conseguir uma votação que lhe permitisse reforçar-se no partido: Carvalhas consegue 635.373 votos, que representavam 12,92% dos votos. O resultado de Carvalhas é tão mais importante quanto se constata que ele teve mais votos do que aqueles que o PCP conseguirá nas legislativas que têm lugar nesse mesmo ano de 1991 e em que o PCP se fica por uns modestos 504.583 votos. E sobretudo o resultado de Carvalhas mantém-se como o recorde conseguido pelos comunistas, quando vão a votos nas presidenciais: em 2001, quando Jorge Sampaio disputava a reeleição, o PCP levou até ao fim a candidatura de António Abreu, cujos 223.196 votos foram um desastre para o próprio e fizeram falta a Sampaio, a quem esses votos teriam ajudado a não ser, até agora, o único candidato à reeleição presidencial que perdeu votos do primeiro para o segundo mandato. E mesmo Jerónimo de Sousa em 2006 não foi além dos 474.083 votos, resultado modesto, quando comparado ao conseguido por Carvalhas, mas positivo, se se tiver em conta que mesmo assim é superior aos 433.369 votos conseguidos pelo PCP nas legislativas de 2005.

Francisco Lopes irá obter muito provavelmente um resultado muito abaixo do conseguido por Jerónimo de Sousa e Carlos Carvalhas mas que pode ser suficiente para aquilo que o PCP espera dele: que este vença a esquerda. É que, ao contrário do que afirma, o PCP sempre viveu muito bem com a direita em Belém. Aliás, não só as fronteiras para aquilo que o PCP define como sendo de direita são muito elásticas, como o PCP ajudou a colocar em Belém homens que, até ao momento em que declarou esse apoio, dizia publicamente defenderem a direita (caso de Mário Soares) ou representarem a sua ala mais ultra (Eanes).

O problema do PCP não é portanto a direita estar em Belém. Quem o PCP teme em Belém é aquela esquerda que deu quase 800 mil votos a Otelo Saraiva de Carvalho em 1976 e 400 mil a Maria de Lurdes Pintasilgo em 1980. Quem de modo algum o PCP não que ver triunfantemente sentada em Belém, mesmo que agora sem G3 à bandoleira e oficialmente coligada com o PS, é aquela gente que tanto trabalho lhe deu a neutralizar em Novembro de 1975.

Ao contrário do PS, o PCP tem memória. Aliás, vive dela. E sabe muito bem que das tropelias dessa esquerda o PCP paga os danos e não tira proveitos. Logo, o papel do candidato Francisco Lopes é marcar o terreno para evitar que algum camarada tenha a veleidade de tentar derrotar Cavaco votando em Alegre. O PCP precisa de ter em Belém a direita, sobretudo se por direita se entender o muito social-democrata Cavaco Silva, que para os comunistas tem a vantagem acrescida de os tratar com muito respeito institucional, coisa que o PCP aprecia acima de tudo e que sabe que terminaria no dia em que a gente de Alegre lá se instalasse. Vencer a esquerda ou esta esquerda é a missão do candidato Francisco Lopes. Não é tarefa agradável, mas, se Cavaco Silva vencer, ninguém poderá dizer no fim que o camarada Chico Lopes não prestou um bom serviço ao partido. Ensaísta



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