A cadeira vazia de Liu Xiaobo
DN 2010-12-16 MARIA JOSÉ NOGUEIRA PINTO
No passado dia 10 de Dezembro a cadeira onde se deveria sentar o vencedor do Prémio Nobel da Paz estava vazia. Esse lugar estava guardado para Liu Xiaobo, o homem que Pequim tenta esconder, mas de quem todos falam. Liu Xiaobo é o escritor e académico a quem foi atribuído, a 8 de Outubro de 2010, o Nobel da Paz "pela sua longa e não violenta luta pelos direitos humanos fundamentais na China". Preso desde 2009, foi condenado a 11 anos de prisão por "incitar à subversão contra o poder do Estado". Este homem, admirado em todo o mundo pela sua coragem e perseverança na defesa dos direitos e liberdades fundamentais, é um inimigo do Partido Comunista Chinês. Segundo as regras, no caso de o laureado não poder estar presente, deverá fazer representar-se por um familiar próximo. Mas Liu Xia, mulher de Liu Xiaobo, também não poderia ocupar a cadeira deixada vazia pelo seu marido, porque está em prisão domiciliária desde o dia 10 de Outubro.
Houve um outro ano em que esta cadeira esteve vazia. Foi em 1936, quando Carl von Ossietzky, jornalista alemão que ousara desafiar o regime nacional-socialista, se viu impedido de aceitar o prémio por estar preso num campo de concentração, onde morreria passado pouco tempo. Hitler deixou claro, na altura, que nenhum alemão estaria autorizado a receber esse prémio.
Em 2010, a China não apenas proíbe a recepção do prémio, como inicia uma dura batalha política e diplomática contra o Comité Nobel, classificando a atribuição do prémio a Liu Xiaobo de "farsa política" e fazendo pressão junto dos seus aliados mais próximos no sentido de um boicote à entrega do prémio (16 países, entre os quais a Rússia, a Arábia Saudita e o Paquistão, recusaram o convite para a cerimónia). Outra ausência, mais grave e mais notada, foi a da alta--comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Navi Pillay. Não é difícil entender a indignação do Governo chinês, para quem a ideia de direitos humanos universais - que consideram um produto exclusivo do "iluminismo europeu" - é bastante incómoda, vindo ameaçar aquele que é o grande princípio orientador da sua política externa: o princípio da soberania e da não intervenção.
Mas nem tudo são más notícias. Ao fim do dia, a atribuição do prémio a Liu Xiaobo, e a reacção e as consequências que gerou, são um nítido sinal de que os direitos e liberdades fundamentais já não podem ser considerados - nem mesmo por Pequim - como uma não-questão. Um sinal de que este modelo alternativo que a classe dirigente chinesa pretende propor ao mundo e impor a mais de um bilião de habitantes terá de ser revisto, e que a China terá de iniciar um processo gradual, mas significativo, de abertura (o que poderá acontecer já em 2012, no 18.º Congresso do Partido Comunista Chinês de onde deverá sair a nova liderança do regime).
As cadeiras vazias de Ossietzky em 1936 e de Liu Xiaobo em 2010, a proibição de que se fizessem representar ou sequer enviassem um discurso, reflecte exactamente os limites de modelos assentes na ideia de que o Estado pode apropriar-se dos direitos e liberdades dos cidadãos e, em última instância, das suas consciências. Mas, para que esse Estado subsistisse, seria preciso criar também um homem alternativo, converter os cidadãos em massa amorfa, e destruir todos os Liu Xiaobos. Os que existem e os que estão para vir.
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