O rancor sai caro

Público, 2010-12-27  Miguel Esteves Cardoso

Ontem vi Wishful Drinking, o documentário da HBO que nos mostra Carrie Fisher como comediante stand-up, baseando-se no livro dela com o mesmo nome.
Em Hollywood ninguém sabe rir da desgraça própria como Carrie Fisher - apesar de não haver muita concorrência. Vê-la e ouvi-la tem tanta graça como lê-la, até porque todo o monólogo foi escrito até à perfeição. Recomendo Wishful Drinking a toda a gente mas, sobretudo, àqueles que vagamente se lembram dela como a Princesa Leia do primeiro Star Wars.
No fim do espectáculo, Carrie Fisher interrompe a comédia para partilhar o que ela diz ser as únicas duas coisas que aprendeu na vida. A segunda - que uma mosca tanto pode pousar num cagalhão como num bolo - parece mais um encolher de ombros perante a aleatoridade da vida do que uma pérola de sabedoria.
Mas a primeira, que tem muito peso numa vida tão azarada como a dela, é verdadeira e está bem apalavrada: "Guardar rancor a alguém é como tomar veneno e ficar à espera que a outra pessoa caia morta". É verdade. Uma pessoa, passado muito tempo, quando se dá conta do tempo que perdeu a não perdoar e a querer mal a quem nos fez uma, arrepende-se de ter tido tanto ressentimento.
Nós tomamos o veneno do azedume e da vontade da vingança, que nos enferruja a alma, enquanto a pessoa que amaldiçoamos dança e sofre pela vida como lhe calhou dançar e sofrer, indiferente ao nosso rancor. Se calhar, afinal, é a tal mosca que tudo decide. Uma vez de cada vez.

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