O estudo da OCDE e o futuro das nossas melhores escolas

Público 2010-12-10 José Manuel Fernandes
As escolas privadas com contrato com o Estado têm custado menos e tido melhores resultados

Por que é que as crianças portuguesas de 15 anos tiveram melhores resultados no último estudo da OCDE (PISA)? Por causa das medidas do Governo, respondeu pronto José Sócrates, na sua entrevista ao PÚBLICO: "Em 2005, a primeira medida foi as aulas de substituição e levámos com uma greve dos professores aos exames e com todos os partidos contra. A segunda medida foi a escola a tempo inteiro". Azar: os alunos que tinham 15 anos em 2009 não beneficiaram dessa medida, como logo notou a entrevistadora. Mas o nosso primeiro nunca se atrapalha quando toca à propaganda, pelo que retorquiu: "Irão beneficiar".

Um pouco mais de honestidade intelectual e um pouco menos de fanfarra propagandística permitiriam não só constatar que Portugal continua abaixo da média, como que as variações registadas no passado recomendam que, antes de darmos por adquirido o "grande salto em frente", verifiquemos se os resultados de 2009 são sustentáveis no tempo. Mais: ao ler as conclusões da OCDE para os diferentes sistemas de ensino, terá de se reconhecer que, nalguns domínios, Portugal segue na direcção errada. O estudo indica, por exemplo, que "os sistemas que obtêm melhores resultados permitem às escolas escolherem os seus programas", algo que em Portugal não é possível, a não ser de forma muito marginal, no sistema público. Mais: a OCDE indica que "é a combinação de autonomia e de uma responsabilização efectiva que parece produzir os melhores resultados", o que contraria a norma portuguesa, onde a centralização napoleónica é dominante.

Há, mesmo assim, uma pequena parte do sistema educativo português onde há autonomia, responsabilização e adaptações locais dos programas nacionais: as escolas privadas, nomeadamente as que, em contrato de associação, integram a rede pública. Não são muitas, mas vale a pena ver o que se está a passar com elas. Comecemos por olhar para os resultados do PISA.

Sensivelmente um em cada sete alunos (14,5 por cento) que fizeram os testes da OCDE em Portugal estudava no ensino privado. As médias que obtiveram (517 a Leitura, 514 a Matemática e 517 a Ciências) colocariam Portugal sempre nos dez primeiros lugares da tabela. A diferença para as médias obtidas pelos estudantes das escolas do Estado (respectivamente mais 32, mais 32 e mais 28 pontos) é até bem maior do que o milagroso salto verificado nos resultados nacionais do PISA.

Dir-se-á: isso acontece porque nas escolas privadas andam os alunos de famílias com melhor situação económica. É verdade, mas não é totalmente verdade nem explica tudo. Nas escolas privadas com contratos de associação com o Estado podem andar todos os alunos da respectiva área geográfica, ricos ou pobres, só que nas tabelas do PISA não se consegue saber quais os alunos que tinham estudado nessas escolas. Há por isso que recorrer aos rankings nacionais para saber. Foi o que fiz, escolhendo três escolas privadas com contratos de associação para fazer as comparações.

A Escola Salesiana de Manique [na foto], concelho de Cascais, admite alunos de todas as classes sociais (e etnias), mas conseguiu ficar, em 2010, em 39.º lugar a nível nacional; no mesmo concelho, há outras duas grandes escolas privadas (os Salesianos do Estoril, 6.º lugar, e os Maristas de Carcavelos, 43.º) e seis escolas secundárias públicas, com posições entre o 95.º (São João do Estoril) e 469.º (Alvide). Já em Arruda dos Vinhos não há nenhuma escola secundária do Estado, apenas uma privada que recebe todos os estudantes do concelho. Ficou em 46.º lugar. No vizinho concelho de Sobral de Monte Agraço, onde só há uma escola pública, esta ficou em 383.º. Por fim, em Torres Vedras, há duas secundárias do Estado (que ficaram em 171.º e 365.º lugares) e o Externato de Penafirme, uma grande escola privada que inclui também ensino profissional, que ficou em 108.º.

Estes exemplos são elucidativos: em escolas abertas a todos os alunos, escolas privadas mas integradas na rede pública, o binómio autonomia-responsabilização tem produzido resultados claramente melhores do que o das escolas do Estado na sua vizinhança. O que, cruzando com os resultados dos alunos do privado no PISA, recomendaria o alargamento deste tipo de contratos. Mais: os dados conhecidos relativamente ao passado, e também confirmados pela OCDE, indicam que cada estudante no ensino estatal custa mais ao erário público do que cada estudante no ensino privado com contratos de associação. Ou seja, esta modalidade de ensino público em parceria tem custado menos ao Estado e tem produzido melhores resultados.

É por isso surpreendente - e, como ontem aqui escrevia Helena Matos, só se explica por opção ideológica - que o Governo tenha aprovado, sem sequer consultar o Conselho Nacional de Educação, um decreto-lei que alterará todo o regime jurídico dos contratos de associação com o ensino privado. Ao fazê-lo, acabará com a estabilidade plurianual desses contratos, colocando todas as escolas na dependência de renovações anuais deixadas à discricionariedade dos governantes. Pior: em nome de uma alegada racionalização dos custos, abre-se caminho ao desperdício, pois, ao deixar de considerar que a oferta privada pode complementar a oferta do Estado, permitindo a integração de escolas privadas na rede pública, abre-se o caminho à construção de novas escolas onde já existem bons estabelecimentos de ensino que podem ser contratualizados, assim desperdiçando recursos que são cada vez mais escassos (o Estado, de resto, já tem vindo a promover esta duplicação irracional da oferta).

Num texto que escreveu no PÚBLICO, o secretário de Estado Trocado da Mata justifica esta acção do Governo sustentando que "o que o Estado financia com os contratos de associação não é nem a liberdade de escolha na educação, nem a especificidade da oferta educativa, mas um bem superior e constitucionalmente consagrado: o acesso de todos à educação". Engana-se duplamente. Primeiro, porque esses contratos asseguram tanto o acesso de todos à educação como a especificidade da oferta educativa, com vantagens educativas e económicas. Depois, porque na Constituição não há bens superiores ou inferiores e nela também se garante, no artigo 43.º, "a liberdade de aprender e ensinar". Mais: no artigo 74.º, ao escrever que cabe ao Estado "assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito", a Constituição não acrescenta que isso deve ser feito exclusivamente em escolas estatais. O que me leva a duvidar: será que, ao revogar a generalidade da legislação relativa aos contratos de associação com o ensino particular e cooperativo, este decreto-lei enviado não criará uma situação de inconstitucionalidade por omissão?

Claro que tudo isto são factos e cristalina doutrina constitucional. E factos, como se sabe, são dificilmente solúveis na propaganda instantânea que anima a espuma dos nossos dias. Jornalista

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