UM PAPA QUE NÃO ESTÁ SÓ
Pedro Vaz Patto
A Voz da Verdade, 2010-05-02
Aproximam-se os dias da visita de Bento XVI a Portugal. Bom seria que as atenções se centrassem naquilo que ele verdadeiramente nos quer dizer e nos vai dizer, e não se perdessem nas já habituais polémicas de menor importância. Que não sucedesse o que sucedeu aquando da sua visita a África, repleta de discursos ricos de conteúdo relativo a esse tão esquecido Continente, os quais não suscitaram a atenção da imprensa e dos políticos, centrada na polémica a respeito do preservativo.
Ao traçar o balanço de cinco anos de pontificado de Bento XVI, vários analistas realçaram a lucidez, profundidade e beleza do seu pensamento e os frutuosos diálogos que encetou com pensadores e artistas de vários quadrantes. As suas encíclicas Deus Caritas Est, sobre a centralidade do amor de Deus, Spe Salvi, sobre a esperança cristã, e Caritas in Veritate, sobre a luz que a caridade e a verdade podem infundir em todas as áreas da vida social, incluindo a económica, receberam acolhimento favorável dos sectores mais variados. Recordo bem, a este respeito, as calorosas palavras do professor Eduardo Lourenço numa conferência organizada em Janeiro pela Comissão Nacional Justiça e Paz, a respeito da Caritas in Veritate e da mensagem de Bento XVI em geral. Diante da riqueza desse pensamento, daquilo que mais importa, que é a mensagem de um Papa à Humanidade de hoje, pouco relevo deveriam ter as sucessivas polémicas que também vêm marcando estes cinco anos de pontificado de Bento XVI.
Mas agora parece que as polémicas atingem uma intensidade sem paralelo. Ouvem-se vozes influentes afirmar que o Papa «está por um fio» e a clamar pela sua demissão. Outros, felizmente menos creditados, chegam a exigir que ele seja julgado por crimes contra a humanidade (!). Tudo isto a pretexto das suas atitudes passadas diante de abusos sexuais praticados por sacerdotes. À divulgação reiterada, num afã quase obsessivo, de notícias que pretensamente o comprometeriam, têm-se sucedido invariavelmente, um ou dois dias depois, esclarecimentos que revelam como os factos são distorcidos e como a atitude de Joseph Ratzinger tem sido sempre a de rejeitar qualquer complacência com esse tipo de crimes. Mas o destaque que tem sido dado a estes esclarecimentos é muito menor do que o que tem sido dado à notícia escandalosa inicial. E isso não deixa de manchar a sua imagem junto de muitas pessoas.
Quem reclame a demissão do Papa neste contexto, está longe de compreender a sua missão. Que não é certamente a de buscar os aplausos da opinião pública (muito menos os da “opinião que se publica”), ou a de calar mensagens que possam ser “sinal de contradição” diante da mentalidade dominante. Aos seus discípulos, Jesus “prometeu” a perseguição do mundo, que o atingira a Ele em primeiro lugar.
Todos recordam a extraordinária e unânime manifestação de homenagem a João Paulo II aquando da sua morte. Mas – recordou recentemente Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Sant’Egídio e historiador – esse Papa também foi muito criticado. E, se no seu funeral recebeu a homenagem de todos os potentes do mundo, no início do seu pontificado ainda eram muitos os países onde os cristãos eram perseguidos em nome de um ideologia ateia.
A João Paulo II foi sugerido, no final da sua vida e quando a doença o debilitava de forma muito acentuada, que renunciasse ao seu cargo. «Jesus não desceu da cruz» - foi o que respondeu a essas sugestões. A Igreja constrói-se assim, a partir da fecundidade da dor. Foi fundada sobre Jesus crucificado e abandonado e, ao longo da História, foi crescendo sempre com os mártires.
Também Bento XVI carrega agora uma cruz, talvez não menos pesada do que a de João Paulo II (dela só se livraria se, por hipótese absurda se demitisse). Certamente sofre pelas acusações injustas de que é alvo, mas também pelos pecados gravíssimos dos filhos da Igreja que servem de pretexto a essas acusações. Não deveria sentir-se só ao carregar essa cruz. Todos nós podemos aproveitar a sua visita a Portugal para lhe dizer, de muitas formas, que estamos com ele neste momento.
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