Verdade e bem comum

Zita Seabra
JN 2010.05.30
Nesta Conjuntura temos um Governo completamente desorientado, incapaz de enfrentar a situação ...

A crise vinha de há dois anos mas subitamente agravou-se e viveram-se momentos de real perigo para o euro e para a Europa. Aconteceu quando se consciencializou que a Grécia não dizia, nem tinha dito, a verdade sobre as suas contas públicas e, bem pelo contrário, escondia dívidas e o défice- que mentia. Esta fase da crise começou na Grécia, arrastou-se a Portugal e a Espanha que se transformaram em alvos preferenciais, não de uma central maligna, mas da dificuldade em encontrar quem nos empreste dinheiro para pagar as dívidas. Quem empreste aos nossos bancos e aos nossos estados. A Europa tremeu e tomou consciência que, se continuarmos como até aqui - como escreve Jacques Attali em livro recentemente publicado e cujo título diz tudo e merece ser lido, Tous ruinés dans dix ans - estaremos "Todos Arruinados em Dez Anos".
Tornou-se evidente e óbvio para todos que os estados europeus não se podem endividar infinitamente e que o nosso modo de vida não tem sustentabilidade. O euro esteve, está, em perigo e nos países euro, nós, portugueses, somos particularmente vulneráveis e estamos na primeira linha de risco. Na Europa, já não estamos, como mostra entre outros Atalli, a hipotecar as futuras gerações, estamos a correr o risco de um dia acordar e não ter meios para pagar aos actuais funcionários públicos e reformados. Quando a banca entrou em perigo de colapso e iminência de falência, os estados foram ajudar o sector financeiro com muitas promessas de melhorar os mecanismos de regulação. Agora, quando os estados entraram em falência, a banca veio ajudar a Europa (com intervenções políticas decisivas de Sarkozy e do presidente Obama e tardias e temerosas de Merkel), sossegou-se a Zona Euro, criando um fundo de emergência para os quais os estados europeus não têm dinheiro.
Habituados a considerar que o progresso fazia parte da nossa vida e que o futuro é risonho, deixámos que os estados fossem cada vez mais gastadores para alegria dos cidadãos, pois as democracias dependem dos seus votos e os votos ganham-se distribuindo o que já não se tem. Cá dentro, como no resto da Europa, não interessam as contas porque há sempre quem precise de mais direitos sociais, há mais uma rotunda a fazer, mais uma empresa pública a criar, mais gente a empregar na Função Pública, menos tempo para trabalhar. Tem havido sempre quem tenha direito a reformas antecipadas e a reformas cada vez mais cedo, quando a vida é cada vez mais comprida.
O primeiro-ministro passou anos a apresentar novas medidas, novos direitos (muitos justíssimos), criando sempre a ideia de distribuir (o que não temos). O Bloco de Esquerda e o Partido Comunista e, muitas vezes também a restante oposição - PSD e CDS -, exigem sempre mais e mais direitos e mais obras e mais benesses e mais PIDDAC e mais direitos de pequenos e de grandes grupos sociais ou profissionais ou etários (em muitos casos justos) e SCUT e Magalhães e bónus, muitos bónus para os gestores públicos e muitos motoristas e carros de topo para as chefias, mais subsídios e isenções… E agora? Agora, temos de falar verdade porque temos uma pesada conta para pagar, sem saber como vamos conseguir os meios para pagar o que devemos e com cada vez mais dificuldade em encontrar quem nos empreste mais e mais dinheiro para pagar as dívidas, até ao dia em que não encontraremos mesmo quem nos empreste.
Nesta conjuntura, temos um Governo completamente desorientado, incapaz de enfrentar a situação. Desorientação e irresponsabilidade são os traços dominantes de um governo sem rumo que nem olha para as medidas de rigor que atravessam a Europa de Norte a Sul.
Mais do que nunca precisamos do inverso. Necessitamos de um governo que incuta confiança, capaz de traçar uma política com rumo, que fale e trabalhe sempre com verdade e, sobretudo, que tenha como objectivo central servir o bem comum. Verdade e aspirina, escreveu Pessoa. Eu diria que precisamos de verdade e serviço do bem comum como regras inultrapassáveis a nortear a política portuguesa.

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