Propostas absurdas para um país ainda mais absurdo

Público, 2010.05.07  Helena Matos

Como devíamos gerir o ensino, as empresas públicas e casos como o do furto de Ricardo Rodrigues



Os membros dos júris dos concursos televisivos ocuparem o lugar de ministro da Educação.

Ali não há o problema de se ser carenciado ou de se viver num bairro problemático. Quem é bom é bom, quem é mau é mau. E isto tudo é dito de forma clara, às vezes quase rude. Os examinados que obtêm boas classificações dão saltos de alegria, os que não são aceites choram ou engolem em seco, consoante o feitio, e prometem esforçar-se mais para a próxima. Como é óbvio, falo dos concursos televisivos, ou seja, do único espaço deste país onde quem ocupa o lugar de júri não abdica do seu poder e puxa pelos galões do seu saber e experiência.

Ousasse algum professor expressar-se nos termos usados por estes júris e caía-lhe em cima o Carmo do ministério e a Trindade dos pedagogos-psicólogos-sociólogos. Porque nas escolas oficialmente não se ensina. Procura-se sim o propósito social de "esbater a diferença de condições à partida entre as crianças do próprio agrupamento e as do agrupamento em relação à média do país". Esta citação retirei-a das declarações dum responsável por um agrupamento escolar a propósito da utilidade das provas de aferição. Sintomaticamente todos os professores ouvidos nesta reportagem do PÚBLICO faziam um enquadramento socio-económico das respectivas escolas: uma era um "estabelecimento, cuja população escolar é urbana e não carenciada", a outra respeitava a "um universo de crianças cujos pais são, na generalidade, menos escolarizados que os filhos" e por fim havia ainda uma outra "com crianças de meios desfavorecidos e outras de famílias de classe média ou mesmo alta". Com os professores transformados em sociólogos e a escola concebida como uma plataforma que visa "esbater a diferença de condições à partida entre as crianças do próprio agrupamento e as do agrupamento em relação à média do país", a avaliação tornou-se um corpo incómodo, porque há sempre o risco de ser vista como promotora de desigualdades.

Dado o automatismo desta cartilha sociológica no discurso dos professores sobre o aluno carenciado, a que se junta ainda a vertente psicológica do aluno "com problemas", ou aceitamos que as escolas se tornem ateliers de tempos livres, ou então convidam-se elementos estranhos a este universo para mostrarem como conseguem que os jovens se esforcem, trabalhem e se voltem a esforçar depois de terem falhado. Como fazem os membros dos júris dos concursos dos cantos e das danças nas televisões. Ou então, mas essa creio que seria uma experiência para a qual o país não está de modo algum preparado, entrega-se o Ministério da Educação à comunidade ucraniana. Imigrantes num país cuja língua dominam há pouco tempo, obviamente enfrentando sérios problemas económicos - caso contrário não tinham deixado a Ucrânia natal -, confrontando-se com problemas como a falta de documentos e de habitação, violência das máfias e precariedade laboral, os ucranianos imigrados em Portugal conseguem que os seus filhos não só sejam excelentes alunos, como que escapem a este determinismo social que transforma em falhados à partida os filhos daqueles que a escola psico-sociológica não vê como favorecidos.

A senhora Merkel passar a governar a Alemanha como José Sócrates governou Portugal.

Ao contrário da proposta anterior, da qual creio que resultaria algo de positivo, esta levaria ao descrédito e à ruína da Alemanha, ruína essa que por sua vez inviabilizaria a ajuda à Grécia, a Portugal, à Espanha... Mas o objectivo desta minha proposta não é melhorar o mundo. É apenas conseguir algum sossego. Senão vejamos: se os alemães tivessem seguido políticas semelhantes às praticadas em Portugal nos últimos anos, não seriam agora vistos como indiferentes, antieuropeístas, pouco solidários e, por último mas nada irrelevante quando se trata da Alemanha, arrogantes racistas do Norte. Os alemães estariam sem dinheiro, seríamos todos PIGS mas a senhora Merkel tornava-se uma líder de visão. Acabavam-se as diferenças norte-sul, o que sempre era um contributo para o fim das desigualdades e, coisa fundamental, ninguém se indignava com ninguém. Até porque o calvário da indignação com os alemães, que não só têm a mania de poupar como se reformam muito mais tarde que os gregos (e já agora que os portugueses), não acaba aqui: mal os alemães e restantes parceiros europeus abrirem os cordões à bolsa, que no caso alemão sempre será alguma bolsa, mas no caso doutros países é mesmo terem de se endividar ainda mais para ajudarem os ainda mais endividados gregos, vamos ter o problema do imperialismo, mais as iníquas condições impostas pelos ricos (ó ironia!) emprestadores... Assim, se a senhora Merkel pura e simplesmente tratasse os contribuintes alemães da mesma forma que José Sócrates tratou os portugueses, os alemães não seriam hoje confrontados com esta vaga de indignação. Estava tudo falido, mas vivendo na maior das harmonias.

Doar as empresas públicas àqueles que dizem que será o caos e a selva caso elas encerrem ou sejam privatizadas, com a obrigação de as terem de sustentar e não as poderem alienar.

Oficialmente as ruas da Grécia estariam cheias de trabalhadores indignados. Mas tal como noutras manifestações anteriores, quer na Grécia, quer em França ou Portugal, aquilo que temos são sobretudo trabalhadores do sector público manifestando-se, em última análise, não contra os governos mas sim contra os contribuintes que já não pagam os impostos suficientes para que o seu statu quo se possa manter (e o statu quo na Grécia passou nos últimos anos pelo aumento vertiginoso do número de funcionários públicos e dos respectivos salários).

Querem os manifestantes por essa Europa fora que os ricos e as grandes empresas paguem a crise, paguem os serviços, enfim paguem para que a sua vida possa continuar a ser como foi. Mesmo que os ricos estivessem dispostos a fazer-lhes a vontade, o dinheiro não chegaria para pagar mais do que uma breve semana de euforia - disponibilizo aos interessados notícias de Portugal em 1975 onde, em menos tempo, as empresas privadas dos "lucros fabulosos" e dos "ganhos milionários" se transformaram por obra e graça das nacionalizações em casos sérios de prejuízo e ruína. Depois, como é óbvio, muitos dos ricos iriam continuar a ser ricos só que noutras paragens. Os restantes que ficassem continuariam a ser ricos, pois para confiscar os bens aos ricos é preciso reforçar o poder do Estado e o verdadeiro rico dos dias de hoje é aquele que não arrisca o seu capital, mas sim quem faz negócios com o Estado, em nome do Estado e devidamente protegido pelo Estado - a presente situação portuguesa é eloquente desta nova classe de ricos. Os novos pobres em que se sustenta esta classe de novos ricos são obviamente os funcionários públicos. Este últimos acreditaram que os recursos dos Estados eram inesgotáveis, tal como a burocracia. Perder essa fé, reconfortante como todas as fés, é como ver chegar ao fim e sem final feliz um conto de encantar.

Criar uma secção de notícias do panóptico

Ao contrário do que se possa pensar, o panóptico desta minha proposta não tem nada a ver com a Grécia e muito menos com o Hospital Miguel Bombarda, onde existe um panóptico, ou seja, um edifício cuja estrutura circular permitia observar constantemente os doentes mentais que ali se encontravam internados. O panóptico é neste momento Portugal. Rapidamente os jornais têm de criar uma secção onde caibam notícias como o deputado Ricardo Rodrigues furtando os gravadores dos jornalistas durante uma entrevista - sendo que já o facto de Ricardo Rodrigues ocupar um lugar no Parlamento é coisa que mesmo num panóptico causa a sua perplexidade - ou a decisão do Governo, apoiado pelo PCP e pelo BE, de assinar o primeiro contrato do TGV já este sábado. Quando não conseguirmos cumprir o que ali vai ser contratado, quando começarmos a fazer contas para ver se nos sai mais barato construir ou não construir e indemnizar as empresas, quando perguntarmos como foi possível, é só lembrarmo-nos do país-panóptico que fomos neste primeiro semestre de 2010. Ensaísta

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