O avanço civilizacional para nenhures

Público, 2010000520 Helena Matos

Os homossexuais ganharam um diploma que não resolve nada e que põe em causa a sua capacidade parental


Não era para ter sido assim. Em primeiro lugar a ficção do choque tecnológico e dos grandes investimentos públicos ainda devia estar de pé e o diploma a permitir o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo seria uma espécie de terceiro pilar desse novo país: o pilar da alteração dos costumes. Por decreto e provavelmente contra a vontade do povo, mas isso não interessa, que o povo está cá é para pagar impostos. Em segundo lugar, o Presidente da República devia ter chumbado o diploma, o que logo soltaria muito convenientemente o fantasma do reaccionarismo e a hidra do preconceito. Mas não foi nada disso que aconteceu: quando o Presidente da República anunciou ao país que promulgava o diploma que permitirá o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo, Portugal tinha passado a ocupar o 7.º lugar no top mundial de países em risco de bancarrota, sabia-se que o Governo ignorara os dados da DGCI sobre a colecta de impostos de 2009 e o Parlamento assumia-se como um lugar estranho cujas comissões recusam analisar o comportamento de um deputado que na biblioteca daquele mesmo Parlamento se apropriou dos gravadores de uns jornalistas que o entrevistavam e onde boa parte dos deputados tentam tudo por tudo para que não seja conhecido o conteúdo das conversas telefónicas mantidas pelo primeiro-ministro a propósito do negócio PT/TVI.
Menos de doze horas após ter sido aprovado, o avanço civilizacional já não era notícia. A única polémica que se mantinha era a das intenções de Cavaco Silva ao promulgar o diploma, sendo que os defensores do diploma enquanto avanço civilizacional se mostravam particularmente indignados com o Presidente. E têm razão para isso: em primeiro lugar porque Cavaco não se devia ter furtado a ser o bombo da indignação dos promotores do avanço civilizacional devendo para tal ter vetado o diploma e sobretudo, mas isso não o confessam, porque este diploma é um presente envenenado para os homossexuais e para o país. Aliás, se este diploma tivesse saído das mãos de um governo que não fosse do PS, acolitado para o efeito pelo BE (o PCP procura passar discreto nesta matéria porque o seu eleitorado é provavelmente o mais crítico a esta lei), ou seja, um governo que tem sob a sua alçada aquelas associações das causas fracturantes e das causas "assim assim", haveria vigílias todos os dias, os artistas organizariam performances indignadas e até aquele barquinho que por cá apareceu no tempo do Governo de Durão Barroso sulcaria novamente as nossas águas agora engalado enquanto barco do amor para promover a bordo adopções por casais homossexuais. Como quem está no Governo é o PS, os homossexuais, a quem as respectivas associações reservaram o papel de folclóricos úteis na ficção do país progressista, ganharam um diploma que não resolve nada que a anterior legislação não acautelasse e que, para cúmulo, põe em causa a sua capacidade parental.
Quanto ao eleitorado de Cavaco Silva, esse deve ter suspirado de alívio com esta decisão presidencial pela prosaica razão de que fica embaraçado quando o chamam reaccionário. Embora saiba que seguidamente vai vir a questão da adopção pelos homossexuais homens e que a qualquer momento vai surgir o problema do registo dos filhos das lésbicas, o povo e não unicamente o do cavaquistão, gosta e precisa de acreditar que durante uns tempos vai ter umas breves tréguas dessas ondas de exaltação que, sob a forma de causas fracturantes, lhes varrem a vida e sobre as quais está implícito que apenas diga apoiado. Caso contrário, ou seja, quando o povo não cumpre o seu papel histórico de bater palminhas, as elites iluminadas resolvem a questão mesmo que para tal a AR tenha de ignorar as mais de noventa mil assinaturas que pediam um referendo sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
O casamento entre os homossexuais desempenhou em 2010 o papel que há cem anos se reservou à perseguição aos jesuítas (por ironia, acusados pelos jacobinos da época de inúmeros "vícios" sexuais!) ou seja, acalentou-se a ficção de um país sempre em progresso, dividido entre os progressistas bons e os reaccionários maus. E onde o Governo e a Presidência da República só têm legitimidade e até impunidade se forem ocupados pelos que se dizem progressistas e que, à falta de governar, mantêm o país no constante frenesi do avanço civilizacional e consequente combate ao reaccionarismo. Esta girândola, qual carrossel enlouquecido, só se detém quando abruptamente a realidade se impõe e, olhando à volta, se percebe que só sobra a desolação de estarmos em nenhures. Foi isso que aconteceu esta segunda-feira.Ensaísta

Convirá explicar que Bruna Real, tratada muito familiar e grosseiramente por Bruna por parte da nossa imprensa, nomeadamente pelo PÚBLICO, não é professora mas sim monitora. O que, no caso do seu afastamento das aulas, faz toda a diferença. Ou seja, após ter conhecimento das fotografias daPlayboy, o munícipio de Mirandela que contratou Bruna Real para acompanhar as crianças durante as actividades extracurriculares entendeu colocá-la noutro serviço, ou seja, o arquivo. Acontece que se Bruna Real tivesse sido colocada ao abrigo dos habituais concursos de professores, não poderia de facto ter sido afastada. Como a visada bem explicou, "até os pedófilos continuam a dar aulas". Pois continuam e são inamovíveis, pois foram colocados ao abrigo dos concursos para professores.
O que os equívocos deste caso provam é que as escolas têm de poder escolher quem nelas trabalha e os pais têm de poder escolher as escolas públicas e privadas em que colocam os filhos e nessa escolha entra naturalmente o perfil de quem lá trabalha: provavelmente haveria famílias que não se incomodariam com casos de participações em produções fotográficas mais ou menos idênticas ao que se vê numa telenovela. Mais difícil seria encontrar alguém disposto a deixar os seus filhos entregues aos cuidados de acusados de pedofilia.

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