Preservação do bom senso
João César das Neves
DN 20090330
Nas críticas ao Papa fica-se em geral com a dúvida se, sem querer ofender, quem as faz não pensa antes de falar. Isso vê-se bem no recente surto de insultos acerca das declarações feitas numa entrevista.
Basta ler o trecho, o que poucos fizeram, para compreender que o Papa nunca disse que o preservativo dá sida (tema da maior parte das críticas), mas que usar apenas a distribuição do preservativo aumenta o problema. Especialistas sensatos e estudos desapaixonados, como o de Edward C. Green, director do AIDS Prevention Research Project no Harvard Center for Population and Development Studies (http://article.nationalreview.com/, 19 de Março), concordam com Bento XVI que uma exclusiva distribuição de preservativos agrava o drama da sida.
Esta posição é do mais elementar bom senso. É fácil compreender, por exemplo, que a obrigação de usar cinto de segurança nos automóveis aumenta o risco de acidente, porque os condutores, sentindo-se mais seguros, aceleram. Por isso é que nenhum governo do mundo se limita a exigir o cinto, complementando com limites de velocidade.
A maior parte dessas críticas nasce de uma confusão infantil. Existe uma polémica antiga contra a Igreja por ela recusar o uso do preservativo na contracepção familiar. Isto estabeleceu a ideia de que a moral cristã é sempre contra o preservativo, o que é falso. Para perceber isto é preciso pensar um bocadinho, o que nestas coisas costuma ser difícil.
Se alguém comete adultério, acto homossexual ou visita um prostíbulo, a moral cristã diz que isso é mau. Se fizer, use o preservativo. Primeiro porque essas situações nada têm a ver com um casal a decidir o método contraceptivo. Mas sobretudo porque o pecado que se comete é tão grave que a questão do preservativo se torna irrelevante. É o mesmo que perguntar se, quando se rouba um banco, é permitido levar pistolas sem licença de porte de arma. A resposta de um juiz sensato seria positiva, mas a pergunta é muito estúpida. Quem viola aberta e gravemente um princípio fundamental não se preocupa com o cumprimento de uma regra menor, para mais fora do contexto.
Por isso é que dizer, como se ouve muito, que a atitude da Igreja condena os africanos à sida não faz o menor sentido. Se as pessoas cumprirem os preceitos da Igreja, vivendo a sua sexualidade na castidade e fidelidade conjugal, eliminam totalmente o risco de contágio. Se violam os preceitos da Igreja na sua vida sexual, caem fora dos limites da moral cristã. Nesse caso porquê ligar a esse detalhe secundário? O elementar bom senso recomenda o preservativo.
O Papa disse em seguida: "A solução só pode ser dupla: a primeira, uma humanização da sexualidade, ou seja um renovamento espiritual e humano que traga consigo um novo modo de se comportar um com o outro; a segunda, uma verdadeira amizade, ainda e sobretudo com as pessoas que sofrem; a disponibilidade, até com sacrifícios, com renúncias pessoais, a estar com os que sofrem."
Isto contrasta com a atitude habitual dos especialistas da sida, porque o Papa trata os africanos como pessoas com dignidade, e não como brutos lascivos, incapazes de resistir aos instintos.
Nas campanhas contra a sida deve-se começar por promover uma vida sexual sem promiscuidade. Se falhar, então use-se o preservativo. A medicina em todas as doenças tem sempre esta atitude profiláctica e formativa. Pelo contrário, as organizações internacionais de combate à sida limitam-se a métodos mecânicos e simplistas, dizendo o equivalente a: "Ponha o cinto e acelere à vontade." Porquê esta atitude irresponsável? Será fascínio com o sexo ou desprezo pelos negros?
Professor universitário, naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt
Comentários
publicado no JN de 24 de Março de 2009
Adelaide Carvalho
carvalhoadelaide@gmail.com
O recente ressurgimento da polémica sobre o uso do preservativo merece que reflictamos sobre as respostas que queremos dar a várias questões basilares, nomeadamente:
A prostituição é sexo responsável? A pedofilia é sexo responsável? A violação é sexo responsável? O uso do preservativo torna estas relações sexuais responsáveis? Por exemplo, o uso do preservativo iliba o violador? A responsabilidade nas relações sexuais advém do respeito pelo outro que Cristo tão bem expressou ao pedir-nos que amemos o próximo como a nós próprios.
SS Papa Bento XVI quer ver para além da solução de curto prazo de admitirmos a irresponsabilidade nas práticas sexuais desde que destas não resultem complicações "graves e imediatas" para a sociedade - o uso do preservativo atenua imediatamente a responsabilidade da sociedade. Porém, há que ter uma visão holística da pessoa e preparar a educação para promover a responsabilidade em todos os aspectos da vida humana e social