O Papa e o preservativo

Sol, 28 de Março de 2008
José António Saraiva

A POSIÇÃO da Igreja Católica relativamente ao preservativo tem dado pano para mangas. Quem não se lembra do cartoon de António representando o Papa João Paulo II com um preservativo enfiado no nariz? Os católicos protestaram, houve uma petição à Assembleia, durante anos a polémica arrastou-se.

Quis o destino que, como director do jornal à data da publicação do cartoon, eu tenha sido o último responsável pela sua divulgação. O que não significa necessariamente que concordasse com a mensagem nele expressa. Os jornais publicam muitas opiniões com as quais os directores não concordam. Um jornal é um espaço plural, que tem evidentemente os seus limites, como tudo na vida – mas esses limites devem ser muito latos para que no jornal possam caber a diversidade, a controvérsia e o debate. É isso que faz a energia de um meio de comunicação.

O PROBLEMA de muitas opiniões que se exprimem sobre a Igreja Católica – e sobre o Papa, como seu máximo representante – é que algumas pessoas que não são católicas nem sequer cristãs queriam que o Papa dissesse o que elas pensam. No fundo, para essas pessoas, a Igreja deveria abdicar da sua doutrina e das suas convicções – para defender as posições dos não-_-católicos, daqueles que professam outras ideologias ou partilham outras ideias. Ora isto é obviamente um absurdo.

À Igreja compete defender as suas posições e a sua doutrina – e não as dos seus inimigos. E não pode transigir constantemente, sob o risco de se descaracterizar. Não pode seguir a moda. Não pode estar sempre de acordo com o ar do tempo. Por vezes, o seu papel é mesmo o contrário: é combater as ideias em voga.

E NISTO a Igreja distingue-se claramente do Estado. O Estado – os vários Estados nacionais – tem muitas vezes de se adaptar às circunstâncias, de transigir, de pôr em prática políticas duvidosas do ponto de vista dos princípios.

É o caso do aborto, da distribuição de seringas ou das salas de chuto. Ninguém pode dizer que abortar é bom; ou que é bom as pessoas drogarem-se. Os Governos fazem estas concessões em nome do pragmatismo. Embora discordando naturalmente do aborto ou do consumo de drogas, acham que, não conseguindo evitá-los, é preferível criar condições para que se façam da melhor forma possível. É aquilo a que tenho chamado as ‘políticas de capitulação’. Ou seja, a abdicação dos princípios em nome do ‘mal menor’.

ORA é evidente que a Igreja não pode seguir este caminho. Não pode enveredar pelo caminho do pragmatismo sem princípios. Não pode dizer: façam abortos com segurança, ou droguem-se com segurança. A Igreja tem de dizer: não façam abortos, não se droguem.

E o mesmo vale para os preservativos. A Igreja não pode dizer: tenham relações sexuais à vontade, mas façam-no com preservativo para não contraírem doenças. A Igreja tem de dizer: a relação sexual deve ser responsável, deve ter lugar no casamento, a promiscuidade sexual é má – e, por isso, tudo o que facilite essa promiscuidade é condenável.

A Igreja Católica não pode abandonar esta trincheira. Se o fizesse, se começasse a recuar na doutrina, arriscava-se qualquer dia a não ter razão de existir.

AQUELES que atacam o Papa tentando menorizá-lo, como se estivessem num plano superior, não percebem o ridículo em que caem. O Papa – nenhum Papa – diz o que diz por desconhecimento da realidade ou por descuido. Ou, ainda menos, por maldade ou indiferença perante os dramas humanos. Poucas organizações como a Igreja são tão sábias, têm tanta experiência acumulada.

A Igreja não diz o que diz por ignorância ou por lapso – mas porque lhe compete defender uma doutrina. Uma doutrina que não é de hoje nem de ontem, que tem dois mil anos, e que os católicos pretendem que dure para sempre.

E NÃO DEIXA de ser verdade que a sida, como outras doenças que têm flagelado a Humanidade, só pode combater-se com uma mudança de hábitos, com uma mudança de práticas, com alterações culturais. Com uma reforma de mentalidades. Com uma atitude mais responsável em relação à vida, menos hedonista, em que o prazer e o dever se articulem de uma forma mais equilibrada.

Não é preciso ter relações sexuais só para procriar; mas também não é preciso comportarmo-nos como animais, deixando que o instinto prevaleça sobre todos os outros valores.

O preservativo pode ser hoje um paliativo, uma solução de recurso – mas não é ‘a solução’. A Humanidade não o pode ver como a solução para a sida. Ora, ao falar do preservativo como fala, a Igreja chama a atenção para isso: recusa-se a aceitar a promiscuidade e o facilitismo, põe a tónica nos valores e na responsabilidade do ser humano.

Só não percebe isto quem não quer.

OS COMUNISTAS gostariam que a Igreja defendesse as suas ideias. Os socialistas gostariam que a Igreja defendesse as suas ideias. Os libertários gostariam que a Igreja defendesse as suas ideias. Mas o que a Igreja tem de defender é a sua doutrina – e não as ideias dos outros. Se não constituísse uma voz diferente, para que serviria a Igreja? Se não fosse um contraponto, um referencial de certos valores e princípios, para que serviria a Igreja?

E se a doutrina da Igreja é contra a promiscuidade sexual, se é favorável a outro conceito de relação sexual associada ao amor e à fidelidade, não pode defender o preservativo ou as seringas – que têm que ver com outras práticas e com outra visão do mundo e das relações humanas.

A Igreja não pode dizer: usem o preservativo, porque essa é a forma de poderem ter relações sexuais sem risco. Como não pode dizer: usem seringas novas, porque essa é a forma de poderem injectar-se sem se infectarem.

OS ESTADOS, os Governos, aos quais compete gerir o quotidiano, podem defender tapa-buracos, soluções transitórias, de recurso. Mas esse não pode ser o papel da Igreja. A Igreja tem de olhar para mais longe. Tem de defender e preservar uma doutrina assente em ideais e comportamentos que não valem só para hoje ou para ontem. Ideais e comportamentos que não podem mudar, como as leis, ao sabor das circunstâncias.

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