Desenvolvimento insustentável

João César das Neves

DN090323

Os supostos avanços recentes vão falhar, pela falta de ligação a valores de sempre e pela futura decadência demográfica.

O conceito de desenvolvimento sustentado é uma das bases intelectuais da actual intervenção social. Nascido nos meios ecológicos, partiu da certeza de que um dos fundamentos da protecção ao ambiente vem da inclusão dos interesses das gerações futuras nas nossas decisões. Depois integraram-se outras dimensões, passando a falar-se de sustentabilidade humana, económica, energética, alimentar, cultural, ética e, na crise actual, até financeira.

Todas estas considerações, interessante e decisivas, centram-se apenas num dos dois lados do processo dinâmico. O tempo não tem só futuro. Também tem passado. Um desenvolvimento será sólido e equilibrado se tiver em conta não apenas as próximas gerações mas também as anteriores. A natureza ensina-nos que a sustentabilidade de uma árvore está nas suas raízes e que um rio só mantém uma torrente sustentável na sua ligação à nascente. Infelizmente, na ânsia do progresso, este é precisamente o aspecto mais esquecido, mesmo pelos fervorosos defensores da sustentabilidade. A história está cheia de exemplos de desastres daqui resultantes.

No extremo temos os casos em que toda uma sociedade pretendeu nascer de novo, repudiando globalmente o seu passado. O sonho maravilhoso do renascimento de um povo foi recorrente nos últimos séculos, com o compreensível fascínio de uma purificação radical, eliminando velhos males e abrindo uma página em branco. Mas, ao cortar os laços com gerações anteriores e a própria herança e identidade, esses movimentos não se sustentaram, criando os piores desastres sociais de sempre. As revoluções francesa de 1789, portuguesa de 1910, russa de 1917 e cambojana de 1975 são exemplos paradigmáticos. Pelo contrário, as revoluções bem sucedidas, como a britânica de 1688, americana de 1776 e portuguesa de 1974, atenderam à sustentabilidade do passado. Corrigindo aspectos importantes, essas transformações respeitaram e mantiveram o essencial da raiz cultural do povo, desimpedindo a sua ligação à nascente.

Alguns avanços particulares falharam também por esqueceram velhos ensinamentos que os antepassados tinham guardado durante séculos. Fiascos como o absolutismo regalista, moralismo romântico, surrealismo, Maio 68 e geração hippie mostram a relevância de um desenvolvimento ser historicamente sustentável.

Atitudes recentes no campo da família e do casamento têm o mesmo problema na dinâmica social. No fragor dos debates fracturantes, muitas forças políticas, incluindo o Governo, têm ignorado a sustentabilidade do desenvolvimento, muito mais que uma empresa poluidora. Fascinados com um aspecto pontual - seja no divórcio, aborto, procriação artificial, deseducação sexual, eutanásia ou homossexualidade - esquecem o equilíbrio social. Os supostos avanços recentes vão falhar, quer pela falta de ligação a valores de sempre quer pela futura decadência demográfica. Pretende-se uma sociedade progressiva à luz de certos modelos ideológicos, mas abandonando o fundamento ético e a viabilidade populacional. Assim as alegadas medidas modernas estão objectivamente a promover um deserto social, mais ainda que os investimentos ambientalmente insustentáveis. Incompreensível é a terrível arrogância cultural de quem acha poder mudar num momento princípios plurisseculares. A arrogância de Marat, Hitler, Mao.

Os avanços técnicos dos últimos 200 anos deram ao ser humano enorme poder sobre a natureza, eliminando velhos flagelos que o assolavam desde as cavernas, do fumo das lareiras à tuberculose, passando pela escravatura, ignorância e isolamento. Mas, embriagado pelas notáveis capacidades, o homem ameaça o equilíbrio da natureza física e humana. Consciente de poder comprometer o futuro, a humanidade assumiu preocupações de sustentabilidade. Mas os perigos globais vêm de muitos lados, não apenas dos aspectos agora consensuais. Aliás os piores riscos estão não no clima ou ambiente que todos reconhecem mas nos temas que o nosso tempo descura ou discute. Quem esquece a História condena-se a repeti-la.

João César das Neves

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