Contas de somar e contos de encantar
PÚBLICO, 26.03.2009, Helena Matos
Há a ideia de que os governos não só dão, como vão dar cada vez mais. A perfeição seria um governo que desse tudo
"Voltam, de novo entre nós, a 'politizar-se' as questões: do Metropolitano à Bolsa, do trânsito lisboeta à construção da rede de auto-estradas. (...) Cada vez mais o nosso destino pessoal e de nossos filhos (é quase retórico mas é verdade) estão na dependência do Estado. (...)
Mais: enquanto antes os contactos com a organização estadual se resumiam ao pagamento de impostos e ao cumprimento do serviço militar, agora a 'omnipresença' estadual revela-se em múltiplos agentes e um sem-número de licenças, de autorizações, de condicionamentos.
"Este texto tem mais de 30 anos. Mais precisamente foi publicado no primeiro número do semanário Expresso que saiu para a rua a 6 de Janeiro de 1973. Assinava-o um homem da então designada "ala liberal", Magalhães Mota.
Infelizmente os seus avisos sobre a perda de liberdade como consequência do aumento do poder do Estado não tiveram qualquer eco na sociedade portuguesa. Da direita à esquerda acreditou-se que a liberdade chegaria com o fim da PIDE. Tal como nesse tempo, os portugueses vivem hoje na convicção de que o Estado, via governos, dá pensões, aumentos, subsídios e que só por maldade ou "insensibilidade social", como diz o ministro Silva Pereira, alguém questiona esta perspectiva da dádiva governamental. Durante décadas arreigou-se a ideia de que os governos não só dão, como vão dar cada vez mais. A perfeição aliás seria em última análise um governo que desse tudo. Jamais se questionou donde viriam as verbas para sustentar tanta dádiva e tanto direito a tanto serviço gratuito. Muito menos pareceu pertinente analisar o que implicaria para cada um de nós em termos de liberdade passarmos para um modelo social em que os cidadãos se dividem em contribuintes e assistencializados.
Não é por acaso que José Sócrates é indiscutivelmente o mais poderoso de todos os primeiros-ministros portugueses da democracia. É certo que é também o menos tecnicamente preparado e aquele que tem uma visão mais instrumental dos cargos que ocupa, mas essas são circunstâncias pessoais que apenas põem em evidência o desmesurado poder do Estado. Nunca em Portugal um governo teve tanta participação em negócio, tanto cidadão dependente de licenças, subsídios e apoios, tanta legislação sobre o que se pode fazer, comer, ensinar...
Quando o primeiro-ministro promete criar milhares de empregos, não está apenas a fazer demagogia. Ele revela uma concepção do poder que, aliás, não é contrariada pela oposição. A questão não é quantos empregos criou o Governo, mas sim como podem os governos criar empregos a não ser na função pública? Ou, como hoje infelizmente se percebeu, ao serem conhecidos os novos números do INE, quantas das 7093 empresas que faliram em Portugal no primeiro semestre do ano passado não viram o seu fim ditado pela carga fiscal e por todo o enredo legislativo através do qual o Estado português condiciona, complica e encarece a vida das empresas - sobretudo daquelas que não têm a ventura de serem eleitas como parceiras pela equipa governamental?
No meio da inauguração dum museu municipal, o Presidente da República resolveu explicar detalhadamente a diferença entre custo e benefício. Mais, explicou tal diferença como se estivesse a falar para pessoas muito burras, muito distraídas ou que não têm de se preocupar com a factura: "Em Portugal ainda se confunde custos com benefícios. Uma estrada é toda ela custos. O benefício é o trânsito que passará nela. Se não houver trânsito, não há benefício, é zero. O investimento de um empresário é custo, o benefício é a sua produção. Se não produzir nada, não ganha.
"Para quem falava Cavaco? A tentação de qualquer comentador é dizer que falava para José Sócrates. Provavelmente sim, mas na verdade não é apenas nem sobretudo o Governo quem precisa destes esclarecimentos. Os portugueses que há décadas e décadas se embalam na ladainha dos "governos que dão" talvez precisem não apenas de aprender a distinguir o custo do benefício, mas também a interrogar-se sobre como poderão continuar a manter um Estado que consome na sua própria máquina grande parte dos recursos nacionais e que como consequência e razão de ser do seu gigantismo nos está a tirar liberdade. Como já escrevia em 1973 Magalhães Mota, "por tudo e por nada se apela para o Estado". E seguidamente lá vinha o exemplo: "As finanças de determinado clube desportivo ameaçam falência: apela-se para um subsídio 'das autoridades'."
O resto sabemos como acaba. O pior é que tudo isto podia ser escrito hoje mesmo.
Jornalista
Há a ideia de que os governos não só dão, como vão dar cada vez mais. A perfeição seria um governo que desse tudo
"Voltam, de novo entre nós, a 'politizar-se' as questões: do Metropolitano à Bolsa, do trânsito lisboeta à construção da rede de auto-estradas. (...) Cada vez mais o nosso destino pessoal e de nossos filhos (é quase retórico mas é verdade) estão na dependência do Estado. (...)
Mais: enquanto antes os contactos com a organização estadual se resumiam ao pagamento de impostos e ao cumprimento do serviço militar, agora a 'omnipresença' estadual revela-se em múltiplos agentes e um sem-número de licenças, de autorizações, de condicionamentos.
"Este texto tem mais de 30 anos. Mais precisamente foi publicado no primeiro número do semanário Expresso que saiu para a rua a 6 de Janeiro de 1973. Assinava-o um homem da então designada "ala liberal", Magalhães Mota.
Infelizmente os seus avisos sobre a perda de liberdade como consequência do aumento do poder do Estado não tiveram qualquer eco na sociedade portuguesa. Da direita à esquerda acreditou-se que a liberdade chegaria com o fim da PIDE. Tal como nesse tempo, os portugueses vivem hoje na convicção de que o Estado, via governos, dá pensões, aumentos, subsídios e que só por maldade ou "insensibilidade social", como diz o ministro Silva Pereira, alguém questiona esta perspectiva da dádiva governamental. Durante décadas arreigou-se a ideia de que os governos não só dão, como vão dar cada vez mais. A perfeição aliás seria em última análise um governo que desse tudo. Jamais se questionou donde viriam as verbas para sustentar tanta dádiva e tanto direito a tanto serviço gratuito. Muito menos pareceu pertinente analisar o que implicaria para cada um de nós em termos de liberdade passarmos para um modelo social em que os cidadãos se dividem em contribuintes e assistencializados.
Não é por acaso que José Sócrates é indiscutivelmente o mais poderoso de todos os primeiros-ministros portugueses da democracia. É certo que é também o menos tecnicamente preparado e aquele que tem uma visão mais instrumental dos cargos que ocupa, mas essas são circunstâncias pessoais que apenas põem em evidência o desmesurado poder do Estado. Nunca em Portugal um governo teve tanta participação em negócio, tanto cidadão dependente de licenças, subsídios e apoios, tanta legislação sobre o que se pode fazer, comer, ensinar...
Quando o primeiro-ministro promete criar milhares de empregos, não está apenas a fazer demagogia. Ele revela uma concepção do poder que, aliás, não é contrariada pela oposição. A questão não é quantos empregos criou o Governo, mas sim como podem os governos criar empregos a não ser na função pública? Ou, como hoje infelizmente se percebeu, ao serem conhecidos os novos números do INE, quantas das 7093 empresas que faliram em Portugal no primeiro semestre do ano passado não viram o seu fim ditado pela carga fiscal e por todo o enredo legislativo através do qual o Estado português condiciona, complica e encarece a vida das empresas - sobretudo daquelas que não têm a ventura de serem eleitas como parceiras pela equipa governamental?
No meio da inauguração dum museu municipal, o Presidente da República resolveu explicar detalhadamente a diferença entre custo e benefício. Mais, explicou tal diferença como se estivesse a falar para pessoas muito burras, muito distraídas ou que não têm de se preocupar com a factura: "Em Portugal ainda se confunde custos com benefícios. Uma estrada é toda ela custos. O benefício é o trânsito que passará nela. Se não houver trânsito, não há benefício, é zero. O investimento de um empresário é custo, o benefício é a sua produção. Se não produzir nada, não ganha.
"Para quem falava Cavaco? A tentação de qualquer comentador é dizer que falava para José Sócrates. Provavelmente sim, mas na verdade não é apenas nem sobretudo o Governo quem precisa destes esclarecimentos. Os portugueses que há décadas e décadas se embalam na ladainha dos "governos que dão" talvez precisem não apenas de aprender a distinguir o custo do benefício, mas também a interrogar-se sobre como poderão continuar a manter um Estado que consome na sua própria máquina grande parte dos recursos nacionais e que como consequência e razão de ser do seu gigantismo nos está a tirar liberdade. Como já escrevia em 1973 Magalhães Mota, "por tudo e por nada se apela para o Estado". E seguidamente lá vinha o exemplo: "As finanças de determinado clube desportivo ameaçam falência: apela-se para um subsídio 'das autoridades'."
O resto sabemos como acaba. O pior é que tudo isto podia ser escrito hoje mesmo.
Jornalista
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