No interior dos jesuítas e da sua Companhia de Jesus
ionline, 2015.02.20
Missão: é esta a palavra que melhor define a Companhia de Jesus. Que não podia estar mais em sintonia com a forma de vida que pede Francisco, o primeiro Papa jesuíta da história
Se em Portugal alguém perguntar pelo número 44, a resposta vai ter, inevitavelmente, a Sócrates. Mas há mais quarenta e quatros além do ex-primeiro--ministro. Por exemplo, Manuel Clemente é o 44.º cardeal português e é no 44 da Rua de Nossa Senhora dos Milagres, em Cernache, Coimbra, que fica o Colégio da Imaculada Conceição, onde está o noviciado dos jesuítas.
E foi lá, na antiga Quinta dos Condes da Esperança, adquirida pelos jesuítas para fundar uma escola – que em 1975 passou a ser aberta à população –, que o padre Miguel Gonçalves Ferreira, mestre de noviços, recebeu o i.
A casa fria contrasta com o calor com que somos acolhidos e a informalidade começa logo à chegada. Depois de passar o portão grande de ferro, a entrada é feita pela cozinha, onde as hortaliças para a sopa do almoço já estão a ser preparadas e cozinhadas pela D. Beatriz, apesar da hora.
À mesa do pequeno-almoço vamos encontrar o irmão José e os dois rapazes que estão a fazer noviciado, António, licenciado em Comunicação Social, e Vasco, de Economia. Mas há neste momento 30 jesuítas em formação (ver caixa lateral). Despedem-se pouco depois, vão descontrair para o pavilhão desportivo. Voltaremos a encontrar-nos à hora de almoço.
Com o irmão José, o mais velho da casa, e o padre Miguel, fico à conversa, antes de uma visita guiada pelas restantes divisões. Falamos deste e de outros tempos em que, em vez de dois, existiam dez, 15, 16 noviços. "Enquanto houver um...", diz o irmão José a sorrir. E, desde o início, não têm faltado vocações. Podemos comprovar que é facto, através das fotografias emolduradas que decoram as paredes do lado de fora da biblioteca e da capela, no andar de cima.
Nem todos ficam, nem todos chegam ao fim. É por isso que o período de discernimento é tão importante. "Não basta querer para entrar", afirma o padre Miguel, e é por isso que os jesuítas têm um dos períodos de formação mais longos, no mínimo 12 anos até à consagração. "Somos jesuítas desde o início, mas é preciso aprender a conhecer-nos, a conhecer Jesus Cristo e a conhecer a Companhia de Jesus." A formação potencia que haja gente com mais capacidade para entrar a fundo nas coisas. E também a perceber as ideias do nosso tempo, a manter um diálogo aberto com a sociedade sobre todos os temas. Como diz o mestre dos noviços: "A formação é mais parecida com uma maratona, que é uma corrida de fundo, do que com um sprint."
Antes de mais, "é preciso ser fascinado por Cristo, que veio ao mundo para o resgatar". E o que é isso de salvar o mundo? É outra troika. "É perceber que o mundo entregue a si próprio, ao seu egoísmo, não tem salvação." Mas "um cristão não é melhor do que os outros, não é um iluminado. Sente-se chamado numa missão", diz o padre Miguel.
Os jesuítas têm uma visão positiva da realidade, mas não ingénua. "O mal existe e faz sofrer." Então é necessário relacionar-se, servir e anunciar. E isto é um acto de fé: confiar que Deus tem um plano, um caminho para cada um de nós. Este é um traço muito forte na Companhia de Jesus, provavelmente introduzido por Pedro Fabro, um dos "heróis" jesuítas (ver caixa), que traz um elemento de doçura para a conversa espiritual. Num instante chegam as 13 horas.
À hora de almoço voltamos a juntar--nos ao grupo anterior, agora mais alargado. Chegaram os padres e jesuítas em formação, responsáveis pela pastoral nos diversos colégios da ordem: S. João de Brito, Caldinhas e Imaculada Conceição. O dia é para reuniões de programação e de avaliação de actividades.
Ninguém que entrasse naquela sala, nesse ou em qualquer outro momento do dia, desconfiaria estar na presença de padres (ou irmãos). Na aparência, tudo igual, homens "normais". Cavalheiros, ainda por cima.
A maneira de vestir, à civil, é apenas o primeiro traço comum. Os jesuítas há muito que deixaram as batinas. "O hábito do jesuíta é vestir-se como um padre honesto do seu tempo", como afirmou Sto. Inácio de Loyola. E é assim. Mas há tudo o resto: a discussão de filmes, de livros, da guerra na Ucrânia, do jihadismo. Sustentada.
Depois da sopa e das lulas assadas com batatas a murro, e antes de passar à sala do café, há tempo para uma oração. Não a de antes ou de depois do almoço, para agradecer o alimento. Agora é na capela, uma sala simples onde está apenas o que faz falta. E, depois da leitura do dia, cada um pede e agradece o que lhe vai na alma.
Com o padre Miguel já tinha discutido o "chamamento", o apelo interior que, no fundo, todos sentem: para casar com alguém especial, para seguir uma profissão. Agora quis saber dos restantes. A resposta foi unânime. "Não é um desejo de bondade. Ou, pelo menos, não é só isso. Tem a ver com fé. Não é apenas um propósito social. É tudo isso para chegar a Deus". O dia terminou com a missa das sete, no CUMN, o centro universitário de Coimbra, no coração da cidade. Uma celebração diferente, com gente de todas as idades e, sobretudo, muitos jovens: a missa de Quarta-feira de Cinzas, que marca o início da Quaresma, o tempo que antecede a Páscoa, a festa da ressurreição de Jesus. Abençoada.
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