Não, não... Ya, ya...


José Maria C.S. André «Correio dos Açores»,  «Verdadeiro Olhar»,  «ABC Portuguese Canadian Newspaper», 28-II-2015 
Sabemos como é a vida cristã em terras lusitanas. Vamos menos à Missa, adiamos a confissão. Há poucos padres, poucas vocações e algum escândalo eclesiástico. É verdade que também há conversões na universidade, pelo menos em Lisboa, e que intelectuais, que ridicularizavam a doutrina católica, têm hoje a máxima consideração por ela. Apesar de tudo, em muitos ambientes, o panorama é desalentador, tal como em grande parte da Europa.
Fora a América Latina, que é conhecida na Igreja como o «Continente da Esperança», como vai o resto do mundo? Na Ásia, há uma explosão de conversões, mas a percentagem de católicos ainda é pequena. Em África, a evangelização continua a fazer grandes avanços, mas o continente ainda não é maioritariamente católico. No cômputo global, de 1999 para 2009, houve um aumento de 5000 padres no mundo. Fora da Europa, a evolução mundial mais do que compensa a nossa crise. E nos Estados Unidos?
Anne Hendershott, professora de sociologia na Universidade Franciscana de Steubenville e na Universidade de Nova York e antes na Universidade de San Diego, suspeitou que a tribo dos católicos merecia uma investigação. É normal, os sociólogos andam sempre à procura de grupos estranhos, de modo que lançou a equipa a explorar o filão. Fizeram o trabalho de campo à maneira americana: viajaram, recolheram imenso material. Números, estatísticas, dados. Um esforço enorme!
Recentemente, os resultados foram publicados num livro intitulado «Renewal» (renovação), escrito pela própria Hendershott em co-autoria com Christopher White, um dos seus colaboradores seniores.
Os livros norte-americanos costumam oferecer uma imagem predominantemente negativa da Igreja católica e, em particular, do sacerdócio. Por exemplo, o livro «Why Priests?» conclui que os padres são uma «failed tradition» (sem reparar no contra-senso de classificar como falhada uma tradição que dura há 2000 anos). Outro livro intitula-se «The Death of Priesthood», (o fim dos padres). Outro chama-se «Full pews and empty altars» (os bancos da igreja cheios e os altares vazios). Outro estudo, na mesma linha, é «The emerging Catholic Church» (A Igreja católica que aí vem). A opinião negativa sobre a Igreja parece maioritária e, a julgar pela maioria dos autores, os padres estão para acabar.
Neste contexto, os dados recolhidos por Anne Hendershott e pela sua equipa surgiram como absolutamente surpreendentes. A primeira novidade é que, em vez de enumerar os defeitos da Igreja, a nova investigação compila factos sociológicos. A surpresa vem daí. Teoricamente, a Igreja está em declínio nos EUA; na realidade o número de vocações aumentou em muitas dioceses nos últimos 10 anos, com aceleração crescente.
Outra descoberta é que os principais contestatários são as mesmas pessoas desde o tempo do Concílio; a idade média dos sobreviventes é muito elevada, sobretudo comparada com a média etária dos padres, cada vez mais baixa nos Estados Unidos. Sociologicamente, os velhinhos que gritam pela insurreição estão a encontrar o olhar compadecido das novas gerações, que acha os protestos decadentes. Os que queriam mudar a moral profetizaram durante 50 anos que «os jovens iam abandonar a Igreja»; extrapolaram cientificamente a curva do declínio e prometeram que a Igreja desaparecia se as mulheres não fossem padres. Afinal, as ordenações foram cada vez mais numerosas nos últimos 10 anos. A realidade pergunta aos idosos profetas: «...têm mesmo a certeza?».
O livro «Renewal», de Hendershott e White, procura a explicação para este «volte-face» da Igreja católica norte-americana. Como não é um tratado de religião, mas um estudo sociológico, investiga quem são os «transformational leaders». As estatísticas identificam as dioceses em que houve maior subida de vocações como aquelas em que os bispos são mais inequivocamente claros e fiéis ao Papa, o que levou a descobertas sociológicas inesperadas.
Em geral, em comparação com os políticos, a capacidade de liderança dos bispos é um êxito, sobretudo naqueles bispos que afirmam mais claramente a doutrina da Igreja. Então – pergunta de sociólogo –, isso quer dizer que os bispos têm geralmente carisma de «leaders»? Não! É que este povo católico tem um comportamento sociológico peculiar... Os bispos podem ter uma liderança que inspira e arrasta, mas não têm necessariamente carisma de «leaders» no sentido tradicional, não galvanizam audiências, nem cultivam a oratória, alguns até são tímidos. Ao contrário dos políticos, os bispos mais empolgantes e que atraem mais vocações são os muito claros, muito ortodoxos e corajosos, não os tribunos fantásticos, ou os negociadores habilidosos. É curiosa a hipótese científica apresentada por Anne Hendershott, numa longa entrevista à televisão, a propósito deste livro: o carisma dos bispos não seria comparável ao dos políticos, seria uma espécie de carisma sacramental, uma graça que eles recebem no momento da ordenação episcopal...
Outro dado estatístico. Apesar dos escândalos de 2002, os padres actuais nos Estados Unidos são muito felizes e estão entusiasmados com a sua missão (97%), procuram ser piedosos, têm muita iniciativa, vão ao encontro das pessoas. Este ambiente atrai de tal modo as novas gerações, que os seminários se estão a encher exponencialmente e vários seminários começaram a rejeitar candidatos, por falta de lugar.
Hendershott e White prometeram que está para breve um outro livro. Vão chamar-lhe «Beyond the Catholic Culture Wars» (Para além das guerras culturais católicas). A equipa tem imenso material para publicar e o público quer saber mais, depois do furor do «Renewal».
Na Europa, a crise é devastadora; em todo o resto do mundo, a Igreja está cada vez mais forte.



A Prof. Anne Hendershott, socióloga.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

OS JOVENS DE HOJE segundo Sócrates

Hino da Padroeira

O passeio de Santo António