Manifesto por um manifesto
Inês Teotónio Pereira ionline 2015.02.14
Esta crónica não é para ser lida por pais perfeitos. Com este texto dirijo-me apenas a uma pequena minoria de pobres de espírito como eu: os pais imperfeitos. É a estes que me dirijo, num gesto solidário e amigo, na pretensão de ampliar a nossa voz e na esperança de que a nossa circunstância de pais imperfeitos não continue a ser escamoteada do debate público. Falo a todos os pais que tal como eu se angustiam quando abrem a mochila ou um caderno dos seus filhos, que tremem quando chega um email da escola, que se esquecem da data das vacinas, dos testes ou de comprar legumes para sopa, que gritam e utilizam as palmadas como recurso educativo, que não sabem responder às perguntas dos filhos, que não lêem com assiduidade histórias infantis, e falo ainda a todos aqueles pais que não cortam as unhas dos filhos com a regularidade que o crescimento das unhas exige. Sim, nós sofremos. Sofremos com as nossas limitações e sofremos com a indiferença do mundo ao nosso drama.
Caríssimos, é preciso reclamar justiça e a justiça que se impõe é a reposição do direito à imperfeição que deixou de fazer parte dos valores humanos que regem as sociedades ocidentais. Poder ser imperfeito é um desafio que não dispensa manifestos. Nós não podemos ser culpados pelo vertiginoso crescimento das unhas dos nossos filhos. Não podemos ser julgados pela fertilidade dos piolhos que se multiplicam nas cabeças dos nossos filhos. Não podemos ser segregados por não decorarmos as datas das vacinas e muito menos podemos ser considerados cidadãos de segunda por sermos desajeitados nos trabalhos manuais, por não sabermos mascarar os nossos filhos no Carnaval, por termos a máquina fotográfica cheia de fotografias por imprimir, por não sabermos quando é que cada um deles começou a andar e a falar, por não respondermos a tempo aos convites para as inúmeras festas, por comprarmos bolos em vez de os fazermos ou por termos filhos adeptos do Sporting.
Basta de segregação, reclamo. Sim, é verdade não me lembro do teorema de Pitágoras e também é verdade que nunca percebi o que aconteceu no tumultuoso século xix, mas sou um ser humano. Um ser humano que vive num mundo que não reconhece a minha imper- feição, não se conforma com a minha ignorância e não tolera a minha frágil negligência.
Nós, caros pais imperfeitos, somos postos à prova todos os dias e todos os dias caminhamos em busca da perfeição num esforço que não vê merecimento. É, por isso, fundamental exigir o reconhecimento do nosso trabalho. É urgente a mobilização e urgente a denúncia da injustiça. Nós estudamos como nenhum pai perfeito estudou, nós viramos as nossas casas do avesso à procura dos pares das meias e no meio da nossa trapalhice não encontramos sequer disponibilidade para fazer tranças às nossas filhas. Nós nem sabemos cantar as músicas da Violetta, meu Deus! Mas há um esforço. E é esse esforço, na afinação que procuramos, na arrumação que ambicionamos, que deve ser reconhecido, valorizado e até, porque não, gratificado. Pois, nós, ao contrário dos pais perfeitos, trabalhamos a sério. Trabalhamos e tivemos a coragem de ser pais apesar das nossas gritantes limitações. Apesar dos piolhos, das unhas, das meias e de tudo o que nos é exigido, assumimos a paternidade. Sem medo, com a coragem dos incautos e com a esperança dos homens de fé.
Nós não reclamamos perdão de dívida, não exigimos menos austeridade e muito menos reivindicamos a paz na Ucrânia. Apenas pedimos que os ilustres destes país, os senadores do regime, os doutos e sábios que assinam regularmente manifestos, olhem para nós, nos dediquem algumas linhas e despertem a opinião pública para o nosso drama. Nós também queremos fóruns e também merecemos pelo menos um manifesto. Somos apenas um grupo de pais, é verdade, incompetentes, é certo, poucos, sim, mas nem por isso deixamos de ser portugueses e europeus como todos os outros.
Esta crónica não é para ser lida por pais perfeitos. Com este texto dirijo-me apenas a uma pequena minoria de pobres de espírito como eu: os pais imperfeitos. É a estes que me dirijo, num gesto solidário e amigo, na pretensão de ampliar a nossa voz e na esperança de que a nossa circunstância de pais imperfeitos não continue a ser escamoteada do debate público. Falo a todos os pais que tal como eu se angustiam quando abrem a mochila ou um caderno dos seus filhos, que tremem quando chega um email da escola, que se esquecem da data das vacinas, dos testes ou de comprar legumes para sopa, que gritam e utilizam as palmadas como recurso educativo, que não sabem responder às perguntas dos filhos, que não lêem com assiduidade histórias infantis, e falo ainda a todos aqueles pais que não cortam as unhas dos filhos com a regularidade que o crescimento das unhas exige. Sim, nós sofremos. Sofremos com as nossas limitações e sofremos com a indiferença do mundo ao nosso drama.
Caríssimos, é preciso reclamar justiça e a justiça que se impõe é a reposição do direito à imperfeição que deixou de fazer parte dos valores humanos que regem as sociedades ocidentais. Poder ser imperfeito é um desafio que não dispensa manifestos. Nós não podemos ser culpados pelo vertiginoso crescimento das unhas dos nossos filhos. Não podemos ser julgados pela fertilidade dos piolhos que se multiplicam nas cabeças dos nossos filhos. Não podemos ser segregados por não decorarmos as datas das vacinas e muito menos podemos ser considerados cidadãos de segunda por sermos desajeitados nos trabalhos manuais, por não sabermos mascarar os nossos filhos no Carnaval, por termos a máquina fotográfica cheia de fotografias por imprimir, por não sabermos quando é que cada um deles começou a andar e a falar, por não respondermos a tempo aos convites para as inúmeras festas, por comprarmos bolos em vez de os fazermos ou por termos filhos adeptos do Sporting.
Basta de segregação, reclamo. Sim, é verdade não me lembro do teorema de Pitágoras e também é verdade que nunca percebi o que aconteceu no tumultuoso século xix, mas sou um ser humano. Um ser humano que vive num mundo que não reconhece a minha imper- feição, não se conforma com a minha ignorância e não tolera a minha frágil negligência.
Nós, caros pais imperfeitos, somos postos à prova todos os dias e todos os dias caminhamos em busca da perfeição num esforço que não vê merecimento. É, por isso, fundamental exigir o reconhecimento do nosso trabalho. É urgente a mobilização e urgente a denúncia da injustiça. Nós estudamos como nenhum pai perfeito estudou, nós viramos as nossas casas do avesso à procura dos pares das meias e no meio da nossa trapalhice não encontramos sequer disponibilidade para fazer tranças às nossas filhas. Nós nem sabemos cantar as músicas da Violetta, meu Deus! Mas há um esforço. E é esse esforço, na afinação que procuramos, na arrumação que ambicionamos, que deve ser reconhecido, valorizado e até, porque não, gratificado. Pois, nós, ao contrário dos pais perfeitos, trabalhamos a sério. Trabalhamos e tivemos a coragem de ser pais apesar das nossas gritantes limitações. Apesar dos piolhos, das unhas, das meias e de tudo o que nos é exigido, assumimos a paternidade. Sem medo, com a coragem dos incautos e com a esperança dos homens de fé.
Nós não reclamamos perdão de dívida, não exigimos menos austeridade e muito menos reivindicamos a paz na Ucrânia. Apenas pedimos que os ilustres destes país, os senadores do regime, os doutos e sábios que assinam regularmente manifestos, olhem para nós, nos dediquem algumas linhas e despertem a opinião pública para o nosso drama. Nós também queremos fóruns e também merecemos pelo menos um manifesto. Somos apenas um grupo de pais, é verdade, incompetentes, é certo, poucos, sim, mas nem por isso deixamos de ser portugueses e europeus como todos os outros.
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