O primeiro primeiro-ministro dos meus filhos

Inês Teotónio Pereira
ionline 2014.11.29

Eles sabem apenas que o senhor mais poderoso da sua infância foi preso. E isso, compreensivelmente, "faz impressão"

Os meus filhos não fogem à regra de todo o país e estão também seriamente consternados com a prisão de José Sócrates. Eles não o dizem, até porque não sabem o que quer dizer "consternação", mas o silêncio que reina em minha casa sobre o caso judicial mais relevante "da história da democracia" diz tudo sobre a consternação dos meus filhos. José Sócrates foi o primeiro primeiro-ministro da vida deles e isso torna ainda mais grave o caso do último fim-de-semana. Tal como o primeiro dia de escola, as primeiras chuteiras, o primeiro amor ou a primeira viagem, também ninguém se esquece do seu primeiro primeiro-ministro. Da mesma forma que a minha geração cresceu com Sousa Veloso e o seu "TV Rural", os meus meninos cresceram com Sócrates e com o seu Magalhães. O destino assim determinou. É por isso inegável a ligação que eles têm a uma pessoa que os viu crescer (através da televisão, é certo) e que eles viram a governar o país durante a sua infância.
Um chefe é sempre chefe e, como institucionais que são todas as crianças, os chefes respeitam-se. Por mais que se diga cobras e lagartos de quem detém o poder, as crianças não fazem juízos complexos e simplesmente inclinam-se perante os chefes porque se inclinam sempre perante o poder. Seja de um político, seja de um professor ou de um padre. Foi por isso que este fim-de-semana os meus filhos ficaram consternados. "Faz-me impressão", dizem eles, remetendo-se de seguida a um silêncio respeitoso, como se estivessem a guardar o segredo de justiça.
Eles não entendem um décimo do que ouvem na televisão, não fazem ideia do que são as instituições, não sabem o que quer dizer separação de poderes e muito menos que existe uma coisa chamada processo penal. Sabem apenas que o senhor mais poderoso da sua infância foi preso. E isso, compreensivelmente, "faz impressão". Como, porquê, que tipo de prisão ou quem o prendeu, não interessa nada, e eles não querem saber. No mundo da criança existem os bons e os maus, os que mandam e os que obedecem, os ricos e os pobres; são os ricos que compram, os que mandam quem detém o poder e os bons que prendem os maus. É simples.
Ora no passado fim-de-semana este mundo maniqueísta dos meus filhos desabou e agora nada será como dantes. Afinal quem manda aqui? Quem são os bons e quem são os maus? Ninguém lhes diz e eles agora sabem que nada é tão simples ou linear como pensavam. Perguntava um deles, consternado, e revelando a confusão que se instalou na sua cabeça: "Ele está em prisão pensativa para poder pensar no que fez?" Mas mal foi desfeito o engano voltámos ao silêncio.
Passou uma semana do terramoto e os meus filhos ainda não se recompuseram. Não é que eles tivessem empatia com o ex-primeiro-ministro, que passava ao lado do seu dia-a-dia. O problema é que no entender deles um primeiro-ministro, ex ou não, é uma instituição, e as instituições não vão parar ao mesmo sítio das pessoas que roubam carros ou assaltam velhinhas. É como se de repente o Sporting ou o Mosteiro dos Jerónimos fossem presos. Impossível. Para os meus filhos, as pessoas não interessam, o que interessa é o que fazem e se alguém o que faz na vida é mandar num país inteiro está obviamente acima de qualquer suspeita. Pois aquilo que parece é. Dizia um dos meus irmãos em pequeno sempre que via um carro com estilo a passar: "Eh pai, aquele tipo deve ser bestial!" Não lhe passava pela cabeça que não fosse

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