Corações ao mar

José Luís Nunes Martins
ionline 2014.11.08

Buscar a interioridade com a mesma determinação dos que vivem nos mares. São duros. Resistem. Humildes, reconhecem que grandes serão apenas os mares, as dores e o amor

A vida é dura. As adversidades sucedem-se e só uma vontade persistente consegue ter paciência para sofrer, e para lutar, sem desistir. Remando, sempre e em cada dia, contra as decisões, marés e sortes que nos afastam do que somos.
A experiência constrói-nos. Se, por um lado, vamos aprendendo como vencer os medos que nos tentam anular, também as feridas destas guerras vão sendo cada vez mais fundas e dolorosas.
Devemos perseverar tal como os pescadores que a cada noite se lançam ao mar, deixando o conforto para trás, trocando a certeza da derrota pela procura de uma vida digna, com rumo, significado e valor. Para voltar a fazer o mesmo em cada noite seguinte. Os problemas nunca se vencem todos de uma vez. Há sempre mais um... Tantas vezes, sem sequer uma breve bonança entre tempestades...
Esta vida é um palco onde se cruzam o heroísmo e a cobardia. Quase nunca as coisas são o que parecem. Há heróis e há cobardes. E, se há quem, em busca de elogios e louvores, exiba os seus feitos à multidão, também há muitos que, na solidão do caminho da esperança, dobram os cabos do desespero sem que quase ninguém dê conta. Também é verdade que quase ninguém sequer acreditaria que é possível... males tão grandes... heróis tão humanos quanto... divinos.
O tempo é dor, mas ele também a consome a atenua. É preciso ter a coragem de ter paciência... aprender a sofrer sem entregar a esperança. Nunca cedendo à vontade de largar este mundo e ir para longe... de si mesmo.
O desafio de uma vida feliz é o de sermos nós próprios, através de uma esperança profunda que se faz força paciente.
Há quem escolha sentir o peso enorme de um céu negro em cima de si... e há quem sempre acredite e sinta as estrelas, mesmo quando os seus olhos não as podem ver, mesmo quando tudo parece apontar para que tenham sido engolidas pelos buracos negros da nossa angústia.
Devemos estar abertos e atentos ao muito que nos ultrapassa. Respeitando, sempre, mesmo o que não compreendemos. Buscar a interioridade com a mesma determinação dos que vivem nos mares. São duros. Resistem. Humildes, reconhecem que grandes serão apenas os mares, as dores e o amor.
O possível alarga-se. Há forças que surgem apenas quando se esgotam todas as outras. Cada homem, na sua vida concreta, tem problemas sérios que o tentam destruir de forma pessoal e íntima. É aí, longe do mundo exterior, longe de qualquer possibilidade de mentira, que se deve acreditar e lutar. Que devemos ser mais fortes que o medo. É aí, nesse mar que nos embala e sacode, que nos sussurra e nos grita, que devemos lutar pelo céu. Porque, afinal, a maior tragédia é querer desistir... é desistir de querer.
A dor talvez seja uma espécie de exame prévio à sinceridade do coração de cada homem. Não há vidas banais, embora haja vidas cinzentas porque esvaziadas de esperança, esvaziadas de cor. É sonhando que suporto as desgraças, que me supero na realidade e teimo em ser feliz mesmo quando tudo parece desilusão. É lutando que sou força... e é amando que levo a luz a quem vive sem cor.
A alegria mais profunda é a de quem, apesar dos sofrimentos, das aparências e das impaciências, ama. Nos mares de lágrimas e por entre mil tormentas. Acreditando que não há impossíveis nem absurdos!
Os pescadores não se fazem ao mar para si mesmos. Vão por quem amam. Por aqueles a quem querem todo o bem. Na verdade, sabem que só é nosso aquilo que damos. Aquilo que formos capazes de entregar, sem esperar nada em troca. Isso sim, é nosso. É o que somos!

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