Os tempos estão a mudar

Luís Rosa
ionline 22 Nov 2014 - 15:43
A detenção do ex-primeiro-ministro fortalece o regime democrático e prova que a Justiça consegue ser cega. António Costa rompeu com Sócrates ao afastar-se das críticas à Justiça - o que significa que o líder socialista aprendeu alguma coisa com o caso Casa Pia.

Ontem viveu-se um dia histórico. O momento da detenção de José Sócrates ficará na memória de todos os portugueses que assistiram aos directos das televisões. Não por qualquer argumento justiceiro (já lá vamos) mas porque a democracia portuguesa ficou mais forte. 

Prender para interrogatório um ex-primeiro-ministro significa que a Justiça é cega: não olha a nomes quando age. Só uma democracia madura consegue ter uma justiça assim.

Essa é a precisamente a primeira mensagem a reter: ninguém está acima da lei; somos todos iguais perante a lei. Muitos dos chamados poderosos da sociedade portuguesa, entre os quais se inclui José Sócrates, nunca conviveram bem com essa regra básica de qualquer regime democrático.

Durante muitos anos a democracia não se distinguiu por ai além da ditadura na aplicação dessa regra da igualdade ao campo partidário. Ser membro do governo, autarca ou dirigente do PSD ou do PS significava uma espécie de imunidade contra a acção da justiça. Os partidos fundadores da democracia queriam proteger os seus e tudo faziam para pressionar e impedir a acção da justiça. Atacar um dirigente do PS ou do PSD era atacar o respectivo partido - era essa a atitude. Era assim que pensavam personagens tão diversas como Isaltino Morais, Valentim Loureiro, Fátima Felgueiras ou até mesmo José Oliveira Costa - um homem muito ligado ao PSD. E é assim que pensa José Sócrates.

A detenção de Sócrates, como a de Ricardo Salgado ou prisão de Isaltino Morais ou as condenações de Maria Lurdes Rodrigues ou de Jardim Goncalves, demonstram que  começa que o principio da igualdade de todos perante a lei começa a ser aplicado em Portugal. E isso só fortalece o nosso regime democrático. Os tempos estão mudar.

E aqui chegamos às críticas sobre a atitude justiceira das autoridades na prisão de José Sócrates e a condenação mediática que isso implica. À hora a que escrevo este texto, ainda não se conhecem as razões que levaram à detenção de Sócrates. Sabemos pela comunicação social que existem indícios fortes que ligam Sócrates à alegada prática dos crimes de corrupção, fraude fiscal e branqueamentos capitais por decisões tomadas nos seus governos. São crimes graves para serem imputados a um ex-primeiro-ministro. Obviamente que todos se presumem inocentes até prova em contrario, sendo igualmente certo que José Sócrates está a apenas a ser investigado - mesmo que seja constituído arguido nas próximas horas, continuará presumir-se inocente; estamos muito longe de uma acusação ou julgamento. Mas se a presunção da inocência é igual para todos os arguidos, as razões que levam a uma detenção também devem ser. José Sócrates não merece nem deve ter um tratamento privilegiado por se tratar de um ex-chefe de governo. A igualdade mais uma vez tem de ser aplicada.

Foi isso mesmo que António Costa enfatizou esta manhã, ao recusar misturar os sentimento de solidariedade pessoal com José Sócrates com a acção política do PS. Ao recusar dar cobertura às críticas à Justiça que começavam a aparecer no PS, como a de João Soares, o futuro secretário-geral socialista demontrou que não confunde o partido com as atitudes dos seus militantes. E rompeu com uma linha de argumentação que José Sócrates sempre teve: atacá-lo na Justiça era atacar o PS. 

Esta atitude de António Costa significa que o líder socialista aprendeu alguma coisa com o caso Casa Pia - caso em que teve a atitude oposta ao aderir à teoria da cabala de Ferro Rodrigues - mas terá consequências internas e poderá marcar um afastamento definitivo entre Costa e Sócrates. Veremos como vão reagir os socráticos, todos apoiantes de Costa, durante o congresso do PS que vai decorrer no próximo fim-de-semana.

Não deixa de ser irónico que António Costa possa fazer o que António José Seguro nunca conseguiu: remeter José Sócrates para o baú da história. 

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