Sobre a fragilidade das democracias
Público 2012-05-14 João Carlos Espada
O partido nazi era "nacional-socialista dos trabalhadores" e disputava aos comunistas marchas com os "explorados"
Pode uma excessiva confiança no funcionamento automático das instituições democráticas conduzir ao seu enfraquecimento e até à sua queda? A pergunta poderia ser feita a propósito dos actuais desenvolvimentos na zona euro, com particular destaque para a Grécia. Habituámo-nos de tal maneira a ter democracias na Europa que podemos esquecer que elas não são eternas, nem se auto-sustentam por mecanismos automáticos.
Mas a pergunta também faz sentido a propósito de um dos livros mais citados, e elogiados, nos últimos meses: Why Nations Fail? The origins of power, prosperity and poverty, de Daron Acemoglu (professor do MIT) e James Robinson (Harvard). Vale certamente a pena lê-lo, mas também criticá-lo.
A tese central parece altamente simpática, talvez excessivamente simpática. Baseia-se na distinção entre instituições (económicas e políticas) de tipo inclusivo e de tipo extractivo. As instituições económicas inclusivas - que garantem direitos de propriedade, criam um campo de concorrência leal e encorajam investimentos em novas tecnologias e qualificações - são mais favoráveis ao crescimento económico do que as instituições económicas extractivas, as quais estão estruturadas para extrair recursos dos muitos em favor dos poucos, não protegem os direitos de propriedade nem proporcionam incentivos para a actividade económica (pág. 430).
Paralelamente às instituições económicas inclusivas, existem instituições políticas inclusivas. São as que distribuem o poder político de forma alargada e pluralista, capazes de alcançar alguma centralização política de forma a garantir a lei e a ordem, condição para a segurança dos direitos de propriedade, e uma economia de mercado inclusiva.
Em termos práticos, este é um argumento a favor das economias de mercado e das democracias parlamentares que distinguem a evolução do Ocidente. Pessoalmente, não poderia ser mais favorável a esta tese. Tenho, no entanto, uma reserva de fundo.
Os autores falam de um "círculo virtuoso" que seria criado pela combinação entre instituições económicas e políticas inclusivas. Este círculo virtuoso, que eles se apressam a classificar de não absoluto, geraria prosperidade e estabilidade. Em contrapartida, as instituições de tipo extractivo gerariam um "círculo vicioso" de instabilidade e de fraco, ou não sustentável, crescimento económico.
Parece um conto de fadas. Mas corresponde aos factos? Não certamente na história europeia do século XX.
Após a I Guerra, o mundo europeu era suposto ter sido tornado "seguro para a democracia". Nunca tantas nacionalidades tinham sido autorizadas a organizarem-se em chamados estados-nação. Todas eram democráticas - até muito democráticas, em regra com sistemas eleitorais proporcionais - e tinham economias mais ou menos de mercado. Por outras palavras, todas tinham instituições económicas e políticas de tipo inclusivo, para usar a expressão dos nossos autores.
E, no entanto, em pouco mais de 10 anos, entre 1918 e 1933, quase todas as democracias tinham caído por terra. A era das tiranias, como lhe chamou Elie Halevy, regressava triunfante.
E não regressava em nome dos "poucos" contra os "muitos", como talvez ripostassem os autores do livro em apreço. As tiranias comunistas e nacional-socialistas vieram precisamente em nome dos muitos, dos trabalhadores e dos desempregados, contra os "poucos", os parlamentares, os capitalistas, os banqueiros... e os judeus. É bom recordar que o partido nazi se intitulava "nacional-socialista dos trabalhadores alemães" e disputava aos comunistas marchas de rua com os "explorados".
Como explicar então que as "instituições inclusivas" das democracias europeias tenham caído como um castelo de cartas, com as honrosas excepções das democracias inglesa e suíça?
A explicação está, em meu entender, no que Karl Popper designou por "pobreza do historicismo" - cuja versão suave parece afectar os nossos autores. Não há automatismos económico-políticos independentes de valores morais, culturais e políticos. Os homens não lutam apenas por interesses económicos. São também movidos por ideais e paixões, muitas vezes geradores de fanatismo e violência. Sob a fina camada da civilização demo-liberal, para citar de novo Halévy, esconde-se um vulcão adormecido de pulsões bárbaras.
A civilização demo-liberal, por sua vez, também não se apoia apenas, nem sobretudo, em automatismos económico-políticos. Funda-se em valores morais, que inspiram virtudes: de moderação, de equilíbrio, de compromisso, de prudência.
Mas a pergunta também faz sentido a propósito de um dos livros mais citados, e elogiados, nos últimos meses: Why Nations Fail? The origins of power, prosperity and poverty, de Daron Acemoglu (professor do MIT) e James Robinson (Harvard). Vale certamente a pena lê-lo, mas também criticá-lo.
A tese central parece altamente simpática, talvez excessivamente simpática. Baseia-se na distinção entre instituições (económicas e políticas) de tipo inclusivo e de tipo extractivo. As instituições económicas inclusivas - que garantem direitos de propriedade, criam um campo de concorrência leal e encorajam investimentos em novas tecnologias e qualificações - são mais favoráveis ao crescimento económico do que as instituições económicas extractivas, as quais estão estruturadas para extrair recursos dos muitos em favor dos poucos, não protegem os direitos de propriedade nem proporcionam incentivos para a actividade económica (pág. 430).
Paralelamente às instituições económicas inclusivas, existem instituições políticas inclusivas. São as que distribuem o poder político de forma alargada e pluralista, capazes de alcançar alguma centralização política de forma a garantir a lei e a ordem, condição para a segurança dos direitos de propriedade, e uma economia de mercado inclusiva.
Em termos práticos, este é um argumento a favor das economias de mercado e das democracias parlamentares que distinguem a evolução do Ocidente. Pessoalmente, não poderia ser mais favorável a esta tese. Tenho, no entanto, uma reserva de fundo.
Os autores falam de um "círculo virtuoso" que seria criado pela combinação entre instituições económicas e políticas inclusivas. Este círculo virtuoso, que eles se apressam a classificar de não absoluto, geraria prosperidade e estabilidade. Em contrapartida, as instituições de tipo extractivo gerariam um "círculo vicioso" de instabilidade e de fraco, ou não sustentável, crescimento económico.
Parece um conto de fadas. Mas corresponde aos factos? Não certamente na história europeia do século XX.
Após a I Guerra, o mundo europeu era suposto ter sido tornado "seguro para a democracia". Nunca tantas nacionalidades tinham sido autorizadas a organizarem-se em chamados estados-nação. Todas eram democráticas - até muito democráticas, em regra com sistemas eleitorais proporcionais - e tinham economias mais ou menos de mercado. Por outras palavras, todas tinham instituições económicas e políticas de tipo inclusivo, para usar a expressão dos nossos autores.
E, no entanto, em pouco mais de 10 anos, entre 1918 e 1933, quase todas as democracias tinham caído por terra. A era das tiranias, como lhe chamou Elie Halevy, regressava triunfante.
E não regressava em nome dos "poucos" contra os "muitos", como talvez ripostassem os autores do livro em apreço. As tiranias comunistas e nacional-socialistas vieram precisamente em nome dos muitos, dos trabalhadores e dos desempregados, contra os "poucos", os parlamentares, os capitalistas, os banqueiros... e os judeus. É bom recordar que o partido nazi se intitulava "nacional-socialista dos trabalhadores alemães" e disputava aos comunistas marchas de rua com os "explorados".
Como explicar então que as "instituições inclusivas" das democracias europeias tenham caído como um castelo de cartas, com as honrosas excepções das democracias inglesa e suíça?
A explicação está, em meu entender, no que Karl Popper designou por "pobreza do historicismo" - cuja versão suave parece afectar os nossos autores. Não há automatismos económico-políticos independentes de valores morais, culturais e políticos. Os homens não lutam apenas por interesses económicos. São também movidos por ideais e paixões, muitas vezes geradores de fanatismo e violência. Sob a fina camada da civilização demo-liberal, para citar de novo Halévy, esconde-se um vulcão adormecido de pulsões bárbaras.
A civilização demo-liberal, por sua vez, também não se apoia apenas, nem sobretudo, em automatismos económico-políticos. Funda-se em valores morais, que inspiram virtudes: de moderação, de equilíbrio, de compromisso, de prudência.
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