Carta a Deus

Público, 2012-05-03 Miguel Esteves Cardoso

Deus,

Bem avisaste que eras um Deus invejoso e vingativo. Também sei que Job era um caso-limite: uma ameaça do que eras capaz. Nem eu nem a Maria João temos um milésimo da obediência e da resignação de Job. E castigaste-nos menos. Mas foi de mais.

De certeza absoluta que nos amamos mais um ao outro do que te amamos a Ti. Sabemos que isto não está certo. Mas foste Tu que nos fizeste assim. Admite: deste-nos liberdade de mais. Foste presunçoso: pensaste que Te escolheríamos sempre primeiro. Enganaste-Te. Quando inventaste o amor, esqueceste-Te de que seria mais popular entre os seres humanos do que entre os seres humanos e Tu. Por uma questão de tangibilidade. E, desculpa lá, de feitio. Tu, Deus, tens o pior das arrogâncias feminina e masculina. Achas que só existes Tu. Como Deus, até é capaz de ser verdade. Mas, para quereres ser um Deus real e humanamente amado, tens de aprender a ser um amor secundário. Sabemos que és Tu que mandas e acreditamos que há uma razão para tudo o que fazes, mesmo quando toda a gente se lixa, porque não nos deste cabeça para Te compreender. Esta deficiência foi uma decisão tua: não quiseste dar-nos a inteligência necessária.

Mas deste-nos cabeça suficiente para Te dizer, cara a cara, que nos preocupamos mais com os entes amados do que contigo.

Ajuda a Maria João, se puderes. Se não puderes, não dificultes a vida a quem pode ajudar. Faz o que só um Deus pode fazer: reduz-te à tua significância. Que é tão grande.

Comentários

Comoveu-me ler o teu texto. Que o Deus da misericórdia, ilumine o teu coração com a luz da esperança e aceite a tua prece de amor profundo, a quem tanto amas. Se Deus inventou o amor como afirmas, ajudará a Maria João, porque de alguma forma através dela, também O amas.
Eu acredito.
Anónimo disse…
Miguel:
é inteligente;
é crente;
é um Homem que se tem de admirar e de ajudar.
Reconhecendo a nossa pequenez, pedir ao Deus Significante que atenda a tua prece – e as dos outros, pelo teu amor.
Abraço

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