Palavras ao vento
JOÃO CÉSAR DAS NEVES
DN20120507
Casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão", o que chega para explicar o baixo nível do debate político. De facto a maior parte das explicações comuns da crise passam ao lado da realidade. Felizmente, como é costume em Portugal, os disparates não têm grande efeito, porque "cão que ladra não morde".
A atitude comum é atribuir as graves dificuldades a um grupo de culpados, o que excita a nossa indignação e mantém um clima de raiva mal contida em blogs, conversas de café e discursos. Se somos vítimas inocentes de uma vergonhosa conspiração de maldade e incompetência, podemos legitimamente protestar contra as medidas indispensáveis.O réu mais popular é a classe política. Começa por se acusar os corruptos e incompetentes, sem tentar saber se são suficientes para gerar um desequilíbrio destes. Depois, sendo evidente que a explicação é curta, na quarta ou quinta frase do raciocínio já se diz que os políticos são todos corruptos. Essa elaboração, além de suficientemente vaga para ser incontestável, tem a enorme vantagem de permitir reagir violentamente a cada golpe de austeridade. Afinal, com este curioso raciocínio, os ministros que nos castigam são de certa forma também culpados do mal que tentam emendar. É tudo a mesma corja e eu sou contra.
Claro que nunca se diz que o dinheiro da dívida externa foi na grande maioria para Saúde, Transportes, Educação, o que, apesar dos desperdícios, nos beneficiou muito. O erro dos políticos foi dar-nos coisas que ainda não podíamos pagar. Por muito roubo e esbanjamento que tenha havido, todos beneficiámos com esta festa de 20 anos a crédito, e é justo que agora saldemos a conta.
Os mais eruditos juntam a estes elementos a improvável teoria de que Portugal sempre foi assim, e a crise é afinal plurissecular. "Este país" nunca teve solução. Para demonstrar a suposta evidência basta fechar os olhos à realidade e esquecer, por exemplo, que, mesmo com crise, o nível de vida actual é quase o dobro do da última vez que o FMI cá veio resolver as nossas dívidas, em 1983.
Uma alternativa frequente é invocar a maldade dos estrangeiros que nos emprestaram. Sejam os financeiros, vilões habituais dos enredos económicos, ou o velho capitalismo para os mais clássicos, todo o sistema é perverso. Hoje esse inimigo, também convenientemente vago, costuma chamar-se "mercados". Esta denominação é adequada e devia fazer-nos pensar que do noutro lado estão pessoas como nós, que puseram o seu dinheiro no banco, e têm medo de não receber o que nos emprestaram. Mas é muito mais cómodo fazer dos mercados um monstro horrendo e devorador. Chega-se mesmo ao ponto de acusar Alemanha e FMI, cuja culpa é ajudar-nos com dezenas de milhares de milhões de euros e, sensatamente, não o quererem fazer sem condições.
É preciso dizer que o disparate não está só do lado dos críticos, e o jovem Governo também já tem a sua quota neste circo de tolices. É verdade que a sua tarefa é muito difícil. Está em causa inverter 20 anos de euforia e despesismo, que deixaram vícios e distorções um pouco por todo o lado. Além disso os grupos instalados continuam comodamente sentados, e mantêm poder de bloqueio. O pouco que se conseguir tem de ser arrancado à força. Por isso muito do que se tem criticado ao Executivo são medidas necessárias ou tentativas ingénuas de vencer a oposição de forças surdas e poderosas.
Não é aí que está o disparate governamental, mas em todos os casos em que insistiu em políticas inúteis, que só geram descontentamento desnecessário. Este Governo, aliás, conseguiu aí uma medida notável, que ficará em todas as antologias da asneira ministerial: a eliminação dos feriados. Aqueles quatro dias terão efeito desprezível sobre o crescimento e negativo na produtividade (que é produzir mais em menos tempo), mas têm o condão de irritar toda a gente, religiosos e ateus, monárquicos e republicanos.
Apesar de tanto disparate, o país está calmo e os erros e raivas têm poucos efeitos. A economia vai ajustando e "palavras leva-as o vento".
naohaalmocosgratis@ucp.pt
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