Repressão sexual
Pedro Lomba
Público, 2010.09.14
Um dos confortos de ser educado em Portugal até há muito pouco tempo era não receber doses sistemáticas e programadas de educação moral ou sexual na escola. Era a vantagem e a liberdade de não cairmos nas mãos de um qualquer catequismo, sujeitos à orientação superior de burocracias e ministérios. No caso do sexo, a abstinência foi particularmente bem-vinda, porque nos permitiu ir descobrindo a coisa com um misto de curiosidade, prazer e ignorância.
Antes assim. Nem os nossos pais, que têm poderes que não tem o Estado, libertários só no papel, se atreveram a quebrar excessivamente essa regra. Para o bem de todos, souberam conter-se. Não que transformassem o sexo num acto terrífico. Acontece que também não faziam dele um tema livre. Não há aqui receio, soluções perfeitas. Mas esta até que nem funcionou mal.
Por isso encaro o início deste ano escolar com suspeição. Não irei apregoar catástrofes e fico-me pela suspeição. O novo ano lectivo torna a educação sexual obrigatória nas escolas. Os novos jovens terão aquilo a que a maioria de nós foi poupada: um tutor sexual ensinando conteúdos específicos para os diferentes ciclos de ensino. Já circulam kits sortidos para a pedagogia. No PÚBLICO de domingo abria-se um pouco o livro sobre o que pode ser esta educação. "Educação para a sexualidade e para os afectos", diz uma coordenadora. Mas isso é dizer nada. É também como diz a lei que menciona o objectivo de "valorizar a sexualidade e afectividade entre as pessoas no desenvolvimento individual, respeitando o pluralismo das concepções existentes na sociedade portuguesa". Se se chega a este ponto de ter de respeitar o "pluralismo das concepções da sociedade portuguesa" (que pluralismo?), é caso para pensar que esta nova disciplina será tudo menos inócua. Mas será o quê?
Estive a viajar na Holanda este Verão por motivos variados. Na Holanda, como se sabe, muita coisa é livre e o sexo também é livre. O modelo de educação sexual dos holandeses deve ser o mais ambicioso e explicativo do mundo. Então encontrámos rapazes de nove anos que aprendem num programa de desenhos animados sobre como devem masturbar-se; outros que recebem pénis desenhados em cadernos para colorir; uma rapariga de 12 que está a conhecer as posições sexuais do catálogo; e outro, já adolescente, que explicava a um jornalista (lido no Times) que "o sexo anal dói no princípio mas se persistirmos pode ser bastante agradável".
A Holanda é a vários títulos um país admirável. E tem uma taxa de gravidez adolescente que impressiona, embora os especialistas relacionem o facto mais com a estabilidade dos casais do que com a educação sexual. No entanto, com toda esta educação afirmativa para a sexualidade, digo-vos que nunca conheci sociedade mais assexuada do que a Holanda. O sexo é tão chato na Holanda, tão sem risco ou imoralidade, que não admira que as pessoas pensem noutras coisas e programem a vida íntima como uma lista de compras. As holandesas marcam na agenda os dias da semana em que têm intercurso com os maridos. Os maridos preparam-se para o ritual como para uma disciplina. Os holandeses esmeraram-se em tornar o sexo educável. No caminho também mataram metade da piada.
Millôr Fernandes, o genial humorista brasileiro, octogenário sexogenário, bem avisava: "A educação sexual vai transformar o sexo num negócio tão chato que as pessoas vão preferir chupar um Chicabom na porta do Bob"s." E concluía: "Educação sexual é apenas uma outra forma de repressão".
Que há negócios que temos preferencialmente de descobrir por nós próprios, antes de qualquer educação formal e selectiva sobre elas, não me parece digno de grandes polémicas. Faz parte da construção normal da individualidade e da moralidade. Sem o direito de posse absoluta sobre as experiências íntimas de cada um, o mundo seria um lugar de susto. Seria até um lugar repressivo. Não nos roubem isso, ó educadores sexuais do meu país.
Jurista
Público, 2010.09.14
Um dos confortos de ser educado em Portugal até há muito pouco tempo era não receber doses sistemáticas e programadas de educação moral ou sexual na escola. Era a vantagem e a liberdade de não cairmos nas mãos de um qualquer catequismo, sujeitos à orientação superior de burocracias e ministérios. No caso do sexo, a abstinência foi particularmente bem-vinda, porque nos permitiu ir descobrindo a coisa com um misto de curiosidade, prazer e ignorância.
Antes assim. Nem os nossos pais, que têm poderes que não tem o Estado, libertários só no papel, se atreveram a quebrar excessivamente essa regra. Para o bem de todos, souberam conter-se. Não que transformassem o sexo num acto terrífico. Acontece que também não faziam dele um tema livre. Não há aqui receio, soluções perfeitas. Mas esta até que nem funcionou mal.
Por isso encaro o início deste ano escolar com suspeição. Não irei apregoar catástrofes e fico-me pela suspeição. O novo ano lectivo torna a educação sexual obrigatória nas escolas. Os novos jovens terão aquilo a que a maioria de nós foi poupada: um tutor sexual ensinando conteúdos específicos para os diferentes ciclos de ensino. Já circulam kits sortidos para a pedagogia. No PÚBLICO de domingo abria-se um pouco o livro sobre o que pode ser esta educação. "Educação para a sexualidade e para os afectos", diz uma coordenadora. Mas isso é dizer nada. É também como diz a lei que menciona o objectivo de "valorizar a sexualidade e afectividade entre as pessoas no desenvolvimento individual, respeitando o pluralismo das concepções existentes na sociedade portuguesa". Se se chega a este ponto de ter de respeitar o "pluralismo das concepções da sociedade portuguesa" (que pluralismo?), é caso para pensar que esta nova disciplina será tudo menos inócua. Mas será o quê?
Estive a viajar na Holanda este Verão por motivos variados. Na Holanda, como se sabe, muita coisa é livre e o sexo também é livre. O modelo de educação sexual dos holandeses deve ser o mais ambicioso e explicativo do mundo. Então encontrámos rapazes de nove anos que aprendem num programa de desenhos animados sobre como devem masturbar-se; outros que recebem pénis desenhados em cadernos para colorir; uma rapariga de 12 que está a conhecer as posições sexuais do catálogo; e outro, já adolescente, que explicava a um jornalista (lido no Times) que "o sexo anal dói no princípio mas se persistirmos pode ser bastante agradável".
A Holanda é a vários títulos um país admirável. E tem uma taxa de gravidez adolescente que impressiona, embora os especialistas relacionem o facto mais com a estabilidade dos casais do que com a educação sexual. No entanto, com toda esta educação afirmativa para a sexualidade, digo-vos que nunca conheci sociedade mais assexuada do que a Holanda. O sexo é tão chato na Holanda, tão sem risco ou imoralidade, que não admira que as pessoas pensem noutras coisas e programem a vida íntima como uma lista de compras. As holandesas marcam na agenda os dias da semana em que têm intercurso com os maridos. Os maridos preparam-se para o ritual como para uma disciplina. Os holandeses esmeraram-se em tornar o sexo educável. No caminho também mataram metade da piada.
Millôr Fernandes, o genial humorista brasileiro, octogenário sexogenário, bem avisava: "A educação sexual vai transformar o sexo num negócio tão chato que as pessoas vão preferir chupar um Chicabom na porta do Bob"s." E concluía: "Educação sexual é apenas uma outra forma de repressão".
Que há negócios que temos preferencialmente de descobrir por nós próprios, antes de qualquer educação formal e selectiva sobre elas, não me parece digno de grandes polémicas. Faz parte da construção normal da individualidade e da moralidade. Sem o direito de posse absoluta sobre as experiências íntimas de cada um, o mundo seria um lugar de susto. Seria até um lugar repressivo. Não nos roubem isso, ó educadores sexuais do meu país.
Jurista
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