O sistema foi abaixo....
Saudade do choque tecnológico por vir (é o verdadeiro título)
Público 2010.09.13 Fernando Mora Ramos
A pane informática não é problema deste acórdão ou uma anomalia dos sistemas, a pane é um modo de vida do sistemaPúblico 2010.09.13 Fernando Mora Ramos
Não só um tipo de selvajaria equivalente à bicha antiga se insinua constantemente porque as (im)possibilidades de acesso às plataformas informáticas são negócios privados que o Estado mete na mão de privados seus "capangas" - é inenarrável, e do mais rasca, o que acontece nos programas de Regeneração Urbana, nas autarquias, com os fundos europeus - e que não funcionam porque esse não funcionar rende, rende no tempo o que a gestão do tempo tem para render, como deixa de haver a possibilidade do protesto, com as qualidades de ser presencial, pois no terminal da decisão, no modo de pôr em prática decisões havidas, não há com quem falar, é tudo um polvo obscuro de burocratas informáticos desligado dos objectivos finais, operacionais, pessoais, civis, políticos e urbanísticos envolvidos. Estamos sempre a falar para ninguém, o que rende ao Estado a possibilidade de decidir sem opositor e de ir corrigindo, work in progress criativo a que o Estado se dedica por entreposta empresa criativa irresponsável, o que lhe der na bolha e como lhe der na bolha - a rectificação, a correcção, o "estamos suspensos por motivos técnicos", tornou-se um esquema accionado sem sujeito e absolutamente eficaz, sem recurso. O que era simples tornou-se descontrolado e o que era descontrolado deixou de ser questão de resolução presencial. É o Simplex em pleno, é o autoritarismo fascizante em pleno.
Não faço a apologia do papel selado nem da fila, mas a fila tem um potencial de revolta presencial que cada um, face ao seu PC, não tem, sujeito perdido no cosmos informático. E é claro que isto tudo tem as suas consequências como política e é claro que tudo isto é usado para amortecer as formas de combate político remetendo-o cada vez mais para o universo parlamentar, para o protesto diferido e internético e para formas de relacionamento político domesticadas e moles. Os operários, sabe-se, quando apareceram as máquinas, num primeiro tempo destruíram-nas com receio de perder o emprego. O cidadão perdido necessitaria agora de facto de se associar à pirataria informática para conseguir o que por meios legais e em prazos oficiais nunca consegue, pois do lado dos poderes nunca se cumprem prazos nem se dá satisfação dos incumprimentos, nem surge rosto responsável por nada. Ninguém dá a cara por nada. Este sem rosto do Estado é cada vez mais o rosto do Estado no momento em que toda a retórica estatal e democrática, o que isso for, fala da aproximação entre cidadãos e Estado e entre eleitos e eleitores. É justamente esse o mecanismo da política hoje: na vida real, aquele em que o cidadão tem problemas e os resolve, as coisas tornam-se ocultas, irracionais e incompreensíveis, na retórica eleitoral constante diz-se o contrário, faz-se o espectáculo da proximidade democrática dos mecanismos de decisão. Nunca a mentira foi tão eficaz e nunca a mentira foi um elemento da política tão corrente e solidário dos modos de a fazer, seu cimento.
Voltemos entretanto à pane só para exemplificar o que se disse com acontecimentos recentes: ele é nas matrículas que apresentam prazos para cumprir impreterivelmente e que depois se adiam, como agora aconteceu na Universidade portuguesa mais bem colocada nos rankings, ele é no controle remoto de fluxos de água do Alqueva para rega que por incompatibilidade de sistemas deu transborde de águas, no sistema informático da DGARTES sempre em pane e sem haver quem responda, ele é nos tribunais mais importantes, nas autarquias e nas regenerações urbanas que promovem onde empresas privadas se enchem com dinheiros que deveriam servir para tornar os serviços públicos competentes e alimentar a sua própria existência, ele é por todo o lado. A racionalidade interessa a alguém nesta coisa da tecnologia ou como dirão os "engenheiros" isso é coisa de filósofos? Encenador
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