A irresponsabilidade

Público, 2010.09.28 Pedro Lomba
Ao anunciar que só voltará a reunir-se com José Sócrates na presença de testemunhas oculares na questão do Orçamento, Pedro Passos Coelho percebeu finalmente o que valem os acordos com o primeiro-ministro. Cumprir contratos não está propriamente no ADN do nosso primeiro, mais interessado em números circenses que servem um cálculo político momentâneo ou que criam uma aparição colaborante que se desfaz na primeira oportunidade. Compreensivelmente, Passos Coelho ganhou cautela. Está agora a aprender à sua custa por que motivo Sócrates e Manuela Ferreira Leite andaram de costas voltadas durante mais de um ano, incapazes do mais inofensivo diálogo. Um facto que deixou à altura muita gente espantada e até foi visto como um manifesto sinal da incapacidade de Ferreira Leite em dançar o "tango" ou como um daqueles inconcebíveis "ataques de carácter". Não deixa de ser uma ironia ver onde estamos.
Estamos pior, muito pior daquilo que se imaginava. De facto, este PS parece o caso mais patológico de manha e desvergonha que já nos foi dado ver na política nos últimos 15 anos. Não vale a pena regressar ao programa eleitoral fictício com que se apresentaram a eleições no ano passado e que puseram no tinteiro logo que os mercados e as agências de rating começaram a apertar. Isto ao mesmo tempo que iam assumindo compromissos financeiros de grande impacto em benefício dos grupos económicos amigos. A história do primeiro ano deste Governo minoritário tem sido a de uma derrota constante e inapelável face à realidade. Tem sido uma hecatombe de que ninguém (nem o ministro das Finanças, transformado no pobre serviçal de uma política errada) se salva. Como o Orçamento de 2010, cozinhado em dificuldades, não chegava e o Governo não tinha condições de o cumprir, levámos com o PEC1. Como o PEC1 não satisfez Bruxelas e não era suficiente para conter o aumento da despesa, tratou de o substituir pelo PEC2. Contra todas as promessas, os impostos lá subiram. Mas o PS, apesar das obrigações assumidas com Bruxelas, revelou-se incapaz de fazer descer a despesa, incapaz de cumprir aquilo que promete.
De plano em plano, de mentira em mentira, avistamos agora a crua realidade no fundo do túnel. Nem Bruxelas, nem os mercados confiam em nós. E o Governo já fez ver que não cumpriu nem tenciona cumprir o segundo PEC. Mas quer, ao mesmo tempo, exigir ao líder do PSD que se abra com fragor a um novo consenso patriótico, a fim de que o próximo Orçamento passe sem exigências e condições. Como pode um Governo que não cumpriu a sua parte em nenhum dos acordos a que se vinculou achar que tem crédito negocial para celebrar mais o que quer que seja?
Perante isto, para onde deseja caminhar Sócrates? Qualquer margem de confiança que ainda pudesse restar neste Governo já se esboroou. Provavelmente vai em direcção ao caos, arrastando consigo o país. Porque ele sabe que qualquer outro caminho torná-lo-ia única e exclusivamente responsável pela brutalidade das medidas que se aproximam. Interessa-lhe o caos, convencido de que se salva.
Quando os portugueses perderem o subsídio de Natal e pagarem uma carga fiscal estranguladora da economia e incompatível com os baixos salários nacionais, era bom que tivessem memória: o que vão ter nos tempos próximos e por muito tempo, com ou sem a mão estrangeira do FMI, poderia ter sido evitado. Se não o foi, é porque alguns fizeram tudo por isso; alguns puseram os seus pequenos interesses, a sua cega disciplina, acima do interesse de todos. A culpa é nossa, que os deixámos. Jurista


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