A primeira visita oficial de um Papa ao Reino Unido

Público 15.09.2010 - 19:00 Por David Cameron*
O Cardeal Newman foi um dos maiores ingleses, não só do seu tempo, mas de todos os tempos. Como qualquer outro homem ou mulher de coragem e fé, acreditava apaixonadamente que devemos seguir a nossa consciência. Muitos, demasiados, morreram por essa mesma causa. No Reino Unido, entre mártires, contam-se tanto protestantes como católicos, como Thomas More, cujo julgamento teve lugar no Westminster Hall, onde o Papa fará um discurso para a sociedade civil.

 No final desta histórica visita ao Reino Unido, o Papa Bento XVI vai beatificar o Cardeal numa missa celebrada no Birmingham Park, onde o Cardeal costumava passar o seu tempo livre no tempo em que era um simples padre numa paróquia dessa grande cidade industrial. Será o ponto alto da primeira visita oficial de um Papa ao Reino Unido.
O uso da palavra histórica para descrever a visita pode facilmente ser visto como um lugar-comum. Contudo, neste caso o seu uso justifica-se plenamente. É por isso que canais de televisão de todo o mundo vão acompanhar todos os momentos dos quatro dias que Sua Santidade vai passar no Reino Unido.
Como Primeiro-Ministro Britânico, fico feliz pelo convite que os meus antecessores endereçaram ao Papa para visitar o meu país, e pelo facto de ele ter aceite tanto o convite do Governo, como o que recebeu de Sua Majestade, a Rainha. O Papa Bento XVI visita-nos na condição de Chefe de Estado e de líder de uma igreja com mais de seis milhões de fiéis no Reino Unido e quase 1200 milhões em todo o mundo.
Como outras fés, a Igreja Católica promove uma mensagem de paz e justiça, e trabalhamos em conjunto na prossecução dessas causas.

Apesar dos tempos difíceis que vivemos, garantimos verbas para a ajuda ao desenvolvimento internacional. A diminuição da pobreza é um dos grandes desafios do mundo actual. As condições assustadoras em que tanta gente vive actualmente, lado a lado com doenças e miséria, são uma afronta moral para todos nós que vivemos confortavelmente em países ricos.
A Igreja Católica e as suas agências humanitárias estão na linha de frente na luta contra a pobreza no mundo. Trabalhamos com essas agências – através de organizações como o CAFOD (1), o SCIAF (2), o Trocaire (3) e a Caritas (4) – em África, na Ásia e na América Latina. Na África Subsariana, por exemplo, agências católicas e igrejas locais são as responsáveis por, aproximadamente, um quarto de toda a educação primária e dos serviços de saúde disponíveis, e ainda por serviços de apoio a portadores do vírus da Sida.
A Santa Sé é um parceiro na prossecução dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio das Nações Unidas, que serão de novo discutidos, na próxima semana, em Nova Iorque e onde o Reino Unido estará representado pelo Vice Primeiro-Ministro, Nick Clegg. Da nossa parte, estamos inteiramente comprometidos com as metas da ONU de gastar 0,7% do Rendimento Nacional Bruto até 2013 em ajuda ao desenvolvimento internacional. E queremos garantir que o dinheiro chega àqueles que mais necessitam. O desenvolvimento económico sustentável está intimamente ligado à estabilidade política e segurança. Um mundo em que existe uma grande diferença entre os ricos e os pobres é um mundo mais perigoso e menos seguro para todos nós.
A Igreja Católica é também um parceiro importante na luta contra as alterações climáticas. Uma vez mais, serão os pobres que mais sofrerão se não agirmos para controlar o aquecimento global. Um acordo internacional para a redução das emissões de dióxido de carbono, por mais difícil que seja, é necessário mas não suficiente. Precisamos de desenvolver um novo paradigma de crescimento económico, definindo-o e procurando-o de forma a respeitar e preservar o meio ambiente.
O novo Governo Britânico acredita fortemente que estas decisões devem ser tomadas a nível local, e em envolver o maior número possível de pessoas e organizações no trabalho e na conquista do bem-estar das comunidades. Um dos grandes filósofos conservadores do século XVIII, Edmund Burke, apelidou estes sectores da sociedade de “pequenos pelotões”, argumentando que as responsabilidades deveriam ser distribuídas entres eles. Chamo a isto Grande Sociedade, na qual todos estamos juntos e trabalhamos em conjunto; uma sociedade mais responsável, onde exercemos as nossas responsabilidades em conjunto, com as nossas famílias e a nossa comunidade. Uma sociedade onde não reivindicamos apenas direitos, mas na qual assumimos também responsabilidades. O ensino social católico fez algo parecido durante mais de um século e organizações católicas trabalham lado a lado com outros grupos religiosos nas áreas de educação e bem-estar para fazer do nosso país um local mais harmonioso e solidário. Evidentemente, o Estado tem o seu papel na promoção do bem-estar individual, mas este trabalho deve complementar o que outros já fazem, sem o subverter.
Têm sido feitos vários comentários exagerados de que o Papa Bento XVI visitaria esta semana um país maioritariamente laico. Não concordo com esta afirmação e há muitas evidências em estudos e na participação em serviços religiosos que a contradizem. De qualquer forma, acho que estes comentários falham o alvo. A visita papal deve ser recebida não apenas por britânicos católicos ou pessoas de fé, mas por todos aqueles que acreditam que os grupos religiosos contribuem para a nossa sociedade e que compreendem que, para muitos, a fé é uma dádiva que devemos estimar, não um problema.
Podemos nem sempre concordar com a Santa Sé. Mas tal não nos pode impedir de reconhecer que a sua mensagem nos desafia a procurar respostas para as grandes questões da nossa sociedade e sobre como nos tratamos um aos outros e a nós próprios.
O Cardeal Newmann disse um dia que um pequeno acto, seja ele feito por alguém que auxilia um doente ou um necessitado, ou por alguém que perdoa um inimigo, demonstra uma fé maior e mais verdadeira do que poderia alguma vez alguém demonstrar através de palavras ou do seu conhecimento da Sagrada Escritura.
O Cardeal Newman é recordado em Birmingham pelo seu carinho pelo seu povo. Durante um surto de cólera na cidade, trabalhou incessantemente para ajudar pobres e doentes. Quando ele próprio morreu, os pobres vieram para as ruas em procissão. Na sua mortalha podia ler-se o seu lema: “Heart speaks to heart”. Não surpreende, por isso, que este seja o tema desta Visita Papal. Espero que se faça sentir nas entusiásticas boas-vindas ao Papa Bento XVI no Reino Unido, e que permaneça no sentimento colectivo quando Sua Santidade regressar a Roma.

*Primeiro-Ministro do Reino Unido

1) CAFOD é a agência oficial da Igreja Católica para Assistência em Inglaterra e no País de Gales
2) SCIAF é a Fundo Internacional de Assistência da Igreja Católica na Escócia
3) Trocaire é a agência oficial de desenvolvimento internacional da Igreja Católica na Irlanda
4) Caritas é uma confederação de 162 organizações humanitárias da Igreja Católica que actuam em mais de duzentos países – entre eles Portugal

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