À deriva

Público 2010.09.09 Pedro Lomba


Durão Barroso que há uns anos largou a mãe-pátria pela Comissão Europeia tem sido sempre visto como um presidente impotente numa Europa encalhada. Desde o princípio que os tempos não têm sido fáceis para ele. Quando tomou posse para o seu primeiro mandato, teve de resolver a questão constitucional e esperar que o Tratado de Lisboa saísse do ramerrame das aprovações dos Estados para entrar em vigor.
Escolhido num processo mais ou menos obscuro das concertinas diplomáticas, foi forçado também a viver em corte com Sarkozy e Merkel, a fim de ganhar peso e legitimidade e receber o segundo mandato como prémio. (Recentemente a autobiografia de Tony Blair, comparada aos diários de Adrien Mole pela imprensa inglesa, revela que foi ele a sugerir o nome de Barroso para o cargo de presidente da Comissão.)
E depois veio a crise, a grande crise americana e europeia, as falências de bancos e empresas, o recuo das economias, o ataque aos mercados. Tudo isto tem servido para fomentar um ambiente de pessimismo como há muito não se via na Europa. Tudo isto também dinamitou a promessa inicialmente feita por Barroso de se concentrar numa Europa de políticas e resultados, não da retórica idealista de sempre. Mas as desgraças não acabaram por aqui. Este ano o colapso da Grécia e os ataques à zona euro mostraram como são profundas as divisões dos vários interesses dos Estados da União e como a moeda única assentou numa integração económica incompleta e frágil que não está preparada para as suas tensões. De um momento para o outro, Barroso que um dia afirmou que o "governo económico" não seria possível, passou a porta-voz desse desejo que talvez seja o único caminho para salvar uma Europa em cacos.
Foi por isso com este passado turbulento que Durão Barroso compareceu anteontem no Parlamento Europeu para o primeiro discurso sobre o estado da União, uma cerimónia copiada do discurso que o Presidente americano faz todos os anos ao Congresso. Barroso tinha duas alternativas: falar unicamente para dentro do Parlamento e das suas famílias ideológicas que mesmo assim poderiam acabar por ignorá-lo; ou tentar em vez disso um discurso mais sonante e político para fora, dirigido aos Estados e governos que nunca estiveram como hoje tão simultaneamente descrentes e dependentes da Europa.
E o que fez Barroso? Político que é formatado no exercício pragmático do poder, decidiu-se pela primeira. Tentou ser de esquerda para a esquerda e de direita para direita. Serviu àquele grupo de eurodeputados distraídos um discurso que Martin Schulz, o líder dos socialistas, descreveu como "liberal-socialista-verde". Os federalistas terão ficado satisfeitos, porque Barroso falou num orçamento e imposto europeu, alem de insistir no governo económico. Os socialistas sorriram com a promessa de proibição de produtos financeiros perigosos. E os liberais que vêem em Barroso um defensor do mercado só podem ter gostado da sua ênfase no crescimento económico, na reforma do mercado único ou na liberalização da energia.
O problema é que aparentemente nada disso aconteceu. Ninguém acabou iluminado por uma homilia construída para satisfazer toda a gente. E Durão Barroso parece ter tropeçado aí. Este seu discurso foi mais o do estado da Comissão Europeia do que da União. Mais do que um cabaz de ideias, a Europa precisa de direcção e liderança; precisa de uma nova defesa num mundo cada vez menos europeu contra o decadentismo dos que anunciam o seu fim e o irrealismo dos que acham que tudo pode continuar como se nada se passasse; e precisa que os choques dos últimos anos obriguem os Estados mais vulneráveis como Portugal a adaptarem-se e a reformarem-se. Em tempos de nuvens precisamos de um pouco mais de paixão, de garra, de sentido. Sem eles a Europa continuará à deriva. Jurista

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