A busca de Descartes
DN20091102
Dedicar-me apenas à busca da verdade" (Discurso do Método, parte 4). Esta é a tarefa mais sublime do universo. Que há de maior, mais belo e necessário que a busca da verdade?
O caminho do grande Descartes é duro, mas claro: "Rejeitar como totalmente falso tudo aquilo em que pudesse imaginar a menor dúvida (...). Porque os nossos sentidos nos enganam às vezes, quis supor que não existia nada que fosse tal como eles nos fazem imaginar. E, por haver homens que se desviam ao raciocinar, mesmo nas mais simples noções de geometria, e cometem paralogismos, rejeitei como falsas todas as razões que tomara antes por demonstrações. E, enfim, considerando que quaisquer pensamentos que nos ocorrem quando estamos acordados nos podem também ocorrer enquanto dormimos, sem que nesse caso exista algum que seja verdadeiro, decidi fazer de conta que todas as coisas que até então haviam entrado no meu espírito não eram mais verdadeiras do que as ilusões de meus sonhos" (ibidem). Esta é a célebre dúvida metódica.
A conclusão ficou famosa: "Mas logo depois percebi que, enquanto queria assim pensar que tudo era falso, era necessário que eu, que assim pensava, fosse alguma coisa. E, ao notar que esta verdade: penso, logo existo, era tão sólida e tão segura que as mais extravagantes suposições dos cépticos não seriam capazes de lhe causar abalo, julguei poder tomá-la, sem escrúpulo, como primeiro princípio da filosofia que procurava" (ib.).
A busca é boa mas não o resultado. Se Descartes recusou todos os pensamentos, porque aceitou este último? Se duvida de todas as coisas, também duvidaria de si, do raciocínio e até das palavras em que o exprimia. O esforço de negar de tudo ou é impossível ou conduz ao vazio.
Embora o método do discurso seja deficiente, o fim é meritório. Só começo a viver depois de encontrar o sentido da vida, a verdade primordial, "a afirmação tão sólida e tão segura que a tome sem escrúpulo como primeiro princípio". Em que verdade baseio a minha vida? Qual o princípio do que sou? Esta é a única busca que vale a pena.
Uma resposta pareceu-me tão evidente como ao filósofo: "Deus ama-me, logo existo." Esta é muito mais realista que a meditação do francês. Afinal, desde que me conheço me sei dependente. Dependi dos pais para nascer e dos próximos para crescer. Dependo do sol para a comida e energia e da sociedade para mas trazerem. Quando mais avanço, mais claro é que dependo a cada instante de um Amor maior que eu. A única coisa de que não dependo é do que eu penso. Pensar que só existo porque penso é arrogância ingénua. O inverso é verdade: existo, logo penso. E só existo porque Alguém me amou e me ama.
Esta é a única verdade que me torna livre. Se a minha existência depende do meu pensamento, fico preso no labirinto da subjectividade. Como o mundo perdido de hoje. Se a minha vida brota do Amor sublime e omnipotente, "tudo concorre para o bem dos que amam a Deus" (Rm 8, 28).
Alguns dizem que este axioma é rejeitado pela existência do mal. Como pode Deus amar--me se há tanta dor e injustiça na minha vida? Quem pergunta isso não entende a lógica de um axioma. Um facto real não nega um postulado, porque tal facto só ganha sentido a partir dele. Também Descartes não duvidou do seu princípio só porque nem sempre conseguia pensar. A pergunta que faz sentido é: dado que Deus me ama, o que significa este sofrimento? É o amor de Deus que dá sentido a tudo. Até ao mal. Como explicou S. Agostinho, "o Deus sumamente bom, de nenhum modo permitiria existir algum mal nas suas obras, se não fosse tão omnipotente e bom para até do mal tirar o bem" (Enchiridion xi).
Só esta verdade me torna livre até do mal, dor e pecado. Se a minha existência depende do Amor supremo, vivo mergulhado na mais pura misericórdia. Ninguém compreende melhor o sofrimento da minha dor e a fraqueza do meu mal que o Amor que me trouxe à vida. Assim, a minha existência ganha sentido e até a cruz se torna salvadora. A minha história é: Deus existe, eu sou pecador, mas Cristo ressuscitou.
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