Tempo de balanço

João César das Neves

DN, 20090921

Está na altura de fazer o balanço da legislatura, com influência nas escolhas para a próxima. Ao fim de tudo o que vivemos estes anos, que podemos dizer?

À partida as condições de estabilidade política foram excepcionais. Não só vivemos a terceira maioria absoluta e o mais longo período sem eleições nacionais da democracia mas, melhor, a recessão de 2004 preparara os cidadãos para medidas duras. O povo, que compreendeu a urgência, apoiou os ministros nas políticas exigentes que anunciaram. Estiveram os efeitos à altura?

No assunto que o próprio Governo declarou prioritário o resultado foi infeliz. O défice orçamental, medida emblemática, acabará o ano acima do valor elevado que o Governo confrontou à chegada e tanto criticou. À primeira vista a culpa disto é internacional, mas a coisas são mais complexas do que parecem.

A trajectória verificada parece confirmar a desculpa governamental. Recebendo em 2004 um défice público de 5,5% do PIB, as Finanças conseguiram reduzi-lo para 2,2% no ano passado. Este ano, com o colapso global, as previsões apontam para 6,5%. Mas se virmos o desequilíbrio, não apenas do Orçamento, mas de toda a economia, a evolução é muito diferente.

O défice global da balança externa era de 6,1% do PIB em 2004. Subiu para 8,3% em 2005 e, mantendo-se sempre acima dos 8%, foi de 10,8% o ano passado, prevendo--se 8,3% este ano. Ou seja, a alegada contenção pública não afectou o País. Enquanto o Estado fazia ziguezague no seu endividamento, a dívida total nacional ao exterior subia sempre, de 65% do PIB em 2005 para 100% este ano. Isto mostra que a suposta austeridade pública foi feita à nossa custa, com aumento de impostos, não redução de despesa. Não admira a inversão e a falta de resultados nacionais.

Esta escolha criteriosa de objectivos, centrando atenções mediáticas num pormenor com o resto a correr mal, é um símbolo económico deste Governo, como também se viu no emprego. Aí a grande promessa eleitoral de 2005 era a criação de 150 mil novos postos de trabalho. Não cumpriu, justificando--se também com a crise externa, mas no fim do ano passado o primeiro-ministro cantava vitória com 133 mil novos empregos de 2005 ao 3.º trimestre de 2008. Mas reduziu isso o desemprego? No mesmo período o número de desempregados caiu apenas de 2700 pessoas. Como é isto possível? Com imigração! Ou seja, as empresas portuguesas (não os ministros) criaram empregos (entretanto perdidos) mas não para os portugueses, que não os quiseram. Foram estrangeiros que vieram ocupar tais trabalhos. Entretanto, a escolha dos objectivos quase fazia parecer que o Governo cumpria a promessa sem resolver o problema.

Nos outros sectores o quadro é paralelo. Houve uma inversão total da política de Saúde da primeira para a segunda metade do mandato, uma guerra aberta na Educação (aliás comum nas décadas anteriores), descontentamento surdo nas forças de segurança e (mais) uma oportunidade perdida no funcionalismo público, enquanto a Justiça vivia uma vergonha. O balanço não é brilhante. Mas para uma avaliação completa faltam três elementos, dois excelentes, um horrível.

Este Governo deixa dois resultados muito relevantes: a modernização electrónica da administração e a reforma da Segurança Social. São medidas estruturais há muito anunciadas, sempre adiadas e finalmente (parcialmente) cumpridas. A importância destas medidas para o longo prazo da sociedade é muito significativa.

Há ainda algo de natureza mais profunda, onde o Governo deixa aquilo que o definirá nas gerações futuras. Este é o Executivo que assistiu à primeira queda da natalidade abaixo da mortalidade e à primeira explosão de abortos em Portugal. Isto não foi por acaso, pois multiplicaram-se as leis contra a vida e a família. O primeiro-ministro chama-lhe "modernidade".

Em política existem questões ideológicas, divergências técnicas, debates estratégicos e orientações de fundo. Mas existem também os grandes desígnios nacionais e a identidade como povo. Aí falamos, não de inconvenientes, mas de infâmia


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