Discriminações
João César das Neves
DN 20090907
O que está verdadeiramente em causa é diferente: opiniões sobre a definição de casamento.
Na sua medida eleitoral mais famosa, o PS pretende na próxima legislatura "remover as barreiras jurídicas à realização do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo" (Programa de Governo do Partido Socialista. Avançar Portugal 2009-2013, cap. III.5, p. 76). Sem discutir a opção política, a justificação apresentada comete um erro grosseiro nos mais básicos princípios de cidadania. Em tema tão decisivo e num partido com a tradição e idoneidade do PS, é grave.
A motivação no texto é clara: "Apesar dos vários avanços registados nos últimos anos na luta contra a discriminação, incluindo o reforço do quadro legislativo nesta matéria, persistem na sociedade portuguesa fenómenos de discriminação que importa contrariar" (loc. cit.). Até o título da secção "5. Mais igualdade, combater as discriminações" confirma que estão em causa os conceitos de desigualdade e discriminação.
Mas não existe aqui nenhuma desigualdade. Os homossexuais podem casar exactamente nas mesmas condições de todas as pessoas: todos podem unir-se a pessoas do sexo oposto, ninguém pode casar com pessoas do mesmo sexo. A lei é aplicada geralmente, de forma igualitária, sem distinção. Invocar discriminação é puro disparate. Existem é verdade muitos casos de discriminação contra os homossexuais, alguns graves que devem ser combatidos. A lei matrimonial não é um deles.
O que está verdadeiramente em causa é diferente: opiniões sobre a definição de casamento. Todas as culturas em todos os tempos, mesmo se apreciavam a homossexualidade, sempre acharam que casar é a união entre homem e mulher. O PS desde 29 de Julho pensa que não. Estas opiniões, ambas respeitáveis, nada têm a ver com discriminação. O Partido devia ter omitido do seu programa o insulto implícito a todos os que não pensam como ele (incluindo ele próprio que, pelos vistos, foi discriminador desde a fundação).
Quem acha que casamento é entre sexos diferentes (por acaso a esmagadora maioria da humanidade) não comete nenhuma discriminação. Tal como só os membros da Ordem dos Médicos podem exercer medicina ou apenas os aprovados no 12º ano seguem para a universidade, e isso sem desigualdades. As regras são claras, justas e aplicadas a todos sem distinção. Será que, na nova e original definição de casamento que o PS decidiu apresentar, os casais incestuosos ou poligâmicos se podem queixar de discriminação? Essa acusação seria tão tonta como a que se encontra no programa eleitoral.
Pelo contrário, é a lógica subjacente a esta proposta do PS que tem implícita uma discriminação. A liberdade de opinião e expressão permite a todos, desde que respeitem os outros, defender o que acham correcto.
Assim se, respeitando as pessoas, se considerar homossexualidade uma depravação, um acto intrinsecamente desordenado e contrário à natureza não é erro, opressão, discriminação. Nem deve ser confundido com homofobia, crime muito sério de perseguição a homossexuais. Há muita gente que considera a religião uma depravação, que acha as touradas um acto intrinsecamente desordenado ou julga a regionalização contrária à natureza. Desde que não se lancem em ataques ou actos de violência, têm todo o direito à sua opinião e não devem ser insultados por pensarem como pensam.
Mas a grande maioria dos defensores do casamento de homossexuais, precisamente por classificarem como discriminatórias as opiniões opostas, não as respeitam. Confundindo as discussões, tratam como homofobia aquilo que não passa de uma visão de casamento, agravando os opositores.
A tese do casamento entre pessoas do mesmo sexo tem graves falhas lógicas. O Estado institui o contrato de casamento não por razões emocionais mas cívicas: porque ele é a base da sociedade, origem da sua reprodução. E não se diga que tal não se aplica aos casamentos estéreis. Também o estabelecimento de empresas destina-se ao lucro, mas a firma não deixa de o ser por ter prejuízo. Mas, apesar de esta tese ser muito deficiente, devemos respeitá-la e não a desprezar, como o PS faz aos adversários.
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