Falar em procriação

Pedro Vaz Patto

Público, 20090930

As declarações de Manuela Ferreira Leite ao associar a família e o casamento à procriação têm suscitado muitas reacções negativas, que vão da crítica impiedosa, como se fossem sinal do mais bolorento conservadorismo, até à chacota de mau gosto. Reacções tão negativas a declarações que muitos considerarão inspiradas pelo simples bom senso merecem alguma reflexão.

Falar em procriação parece escandaloso ou herético, como se a procriação fosse algo de fundamentalmente negativo, a evitar a todo o custo, um empecilho ao gozo e realização pessoais que a união sexual e o casamento podem proporcionar.

A doutrina católica não limita (não o faz hoje, nem o fez nunca) as finalidades do casamento e da família à procriação. A comunhão entre os cônjuges e a realização pessoal de cada um deles também são finalidades do casamento e da família. Mas a abertura à vida, que não se limita à geração biológica e se prolonga durante todo o percurso educativo das crianças e jovens, também o é. Não é algo de acidental ou secundário. A doação recíproca entre os cônjuges deixa de ser um "egoísmo a dois" quando se abre generosamente à geração e educação de novas vidas. Porque o amor é difusivo por natureza.

É, fundamentalmente, esta abertura que faz com que o casamento mereça um reconhecimento social particular, pois é ela que garante a renovação das gerações, cria o melhor ambiente para o acolhimento da geração seguinte e faz, assim, da família a célula básica da sociedade.

Como já foi salientado, retirar a heterossexualidade e a tendencial abertura à vida da definição de casamento descaracteriza-o como instituição que transcende os interesses individuais dos cônjuges e adquire um papel social da máxima relevância.

A mentalidade antiprocriativa que vemos, deste modo, tão difundida é o maior obstáculo à superação da crise demográfica, por muitos considerada o mais grave dos problemas sociais da Europa de hoje e para o qual, finalmente, os governos parecem despertar.

É, sobretudo, no plano cultural, da mentalidade, que se joga esse desafio. Não são, essencialmente, abonos de família ou subsídios (nem "contas-poupança") que permitirão vencê-lo. Nem mesmo os países com mais generosos apoios desse tipo conseguiram vencê-lo.

Só com outra valorização da vida e da procriação, vistas sempre como um dom e uma oportunidade, nunca como um limite ou um empecilho, é que a crise demográfica pode ser superada. Nisto deviam pensar os políticos que criticam a associação entre casamento, família e procriação.

Juiz


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