Descriminalização das drogas em Portugal - O retrato factual
Manuel Pinto Coelho
Público, 27 Set 2009
Tem vindo a imprensa nacional e principalmente a estrangeira, a referir com estranha insistência, em vésperas de dois importantes processos eleitorais em Portugal, o “retumbante sucesso” da descriminalização das drogas, encetada em 2001 pelo governo socialista, à revelia de todos os outros países europeus e em detrimento das orientações e Convenções das Nações Unidas de que o país é signatário.
O respeito pela verdade dos factos obriga a Associação para um Portugal Livre de Drogas (APLD) a esclarecer os portugueses sobre as verdadeiras consequências da implantação da política actual, independentemente das filiações partidárias. Portugal adoptou uma solução (?) assaz original e inequivocamente questionável para gerir o pesadelo das drogas.
Os artigos recentes do semanário britânico The Economist e do Cato Institute de Washington promovem as opções governamentais. É um direito legítimo, quiçá politicamente correcto. O problema é o resto: a manipulação arreliadora dos factos e dos números é inaceitável…
1º - Em Portugal, no ano de 2006, o número total de mortes por overdose não diminuiu radicalmente em relação a 2000, nem a percentagem de toxicodependentes com sida baixou (de 57% para 43%). Sucedeu o oposto. Assistimos a uma preocupante degradação da situação. Os factos demonstram isso mesmo: “Com 219 mortes de “overdose” por ano, Portugal apresenta um dos piores resultados, com uma morte a cada dois dias. Com a Grécia, Áustria e Finlândia, é um dos países que registou um aumento de mais de 30% em 2005” e “Portugal continua a ser o país com maior incidência de sida relacionada com o consumo de droga injectada (85 novos casos por milhão de habitantes em 2005, quando a maioria não ultrapassa os cinco casos) e o único que registou um aumento recente, com 36 novos casos estimados por milhão de habitantes em 2005 quando em 2004 referia apenas 30” (Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência -OEDT - 2007). Ainda segundo o relatório europeu, Portugal registou, em 2006, 703 novos casos de infecção, o que corresponde a uma taxa oito vezes superior à média europeia!
2º - A descriminalização das drogas em Portugal não permitiu de forma alguma a diminuição dos níveis de consumo, pelo contrário. Na realidade, “o consumo de droga em Portugal aumentou 4,2% - a percentagem de pessoas que alguma vez na vida consumiram drogas passou de 7,8% em 2001 para 12% em 2007, (IDT – Instituto da Droga e da Toxicodependência português, 2008).
3º - No que se refere ao consumo de cocaína “os novos dados (inquéritos de 2005-2007) confirmam a tendência crescente registada no último ano em França, Irlanda, Espanha, Reino Unido, Itália, Dinamarca e Portugal” (OEDT 2008). Enquanto as taxas de uso de cocaína e de anfetaminas dobraram em Portugal, as apreensões desta última droga aumentaram sete vezes entre 2001 e 2006, a sexta mais elevada do mundo: (WDR – World Drug Report, 2009).
4º - No que diz respeito ao haxixe: - “É difícil avaliar as tendências do consumo intensivo de cannabis na Europa, mas, entre os países que participaram em ambos os ensaios de campo, entre 2004 e 2007 (França, Espanha, Irlanda, Grécia, Itália, Países Baixos, Portugal), houve um aumento médio de aproximadamente 20%” (OEDT, 2008).
5º - Em Portugal, desde que a descriminalização foi implementada, o número de homicídios relacionados com a droga aumentou 40%. “Foi o único país europeu a evidenciar um aumento significativo de homicídios entre 2001 e 2006” (WDR, 2009).
6º - Um relatório recentemente encomendado pelo IDT ao Centro de Estudos e Sondagens de Opinião (CESOP) da Universidade Católica Portuguesa, baseado em entrevistas directas, sobre as atitudes dos portugueses relativamente à toxicodependência (que estranhamente nunca foi divulgado), revela que 83,7% dos respondentes considera que o número de toxicodependentes em Portugal aumentou nos últimos quatro anos, 66,8% consideram que a acessibilidade de drogas nos seus bairros foi fácil ou muito fácil e 77,3% que o crime relacionado com a droga aumentou ("Toxicodependências" nº 3 de 2007).
É esta é a pungente realidade portuguesa no que diz respeito à droga e à toxicodependência.
Para o governo português, os toxicodependentes são encarados essencialmente como doentes. É uma atitude suicidária e dispendiosa para o erário público. Fingem que estão doentes e o governo finge que os trata!
A descriminalização do consumo, da posse e da aquisição para o consumo, penaliza apenas quando se adiciona outro ilícito ao efeito do consumo, que funciona quase sempre como atenuante. Legalizar o crime cometido por “drogados” (ou por “doentes” - sic) não parece a forma mais eficaz de o combater, como o atesta a invulgar taxa de homicídios relacionados com droga registada em Portugal em comparação com os outros países da Europa. Facilitar o acesso à droga, não será o caminho para a redução do consumo, a diminuição das toxicodependências e da criminalidade associada.
É deveras curioso o que se passa em Portugal: os toxicodependentes, com o apoio tácito do governo, invocam a sua condição de “doentes” para não serem punidos pelos seus delitos, mas depois esquecem-se que são “doentes” e assumem-se como pessoas livres e responsáveis, que decidem se se querem tratar ou não!
Ao considerar, pela via da descriminalização, o toxicodependente um doente e não um delinquente, o Estado não pode depois optar, através duma política que dá a prioridade à “redução de danos”, por alimentar a “doença” em vez de a curar!
Retumbante sucesso? Os resultados estão à vista!
Manuel Pinto Coelho
Presidente da Associação para um Portugal Livre de Drogas
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