As pedras nunca saberão o que é o amor
FILIPA RIBEIRO DA CUNHA OBSERVADOR 16.02.2018
Acusa-se novamente a Igreja católica de ser obcecada com o sexo, como se fosse incapaz de reconhecer o seu bem e o tentasse denegrir. Mas nada está mais longe da verdade.
A Igreja está a falar para os seus filhos, para aqueles que sendo batizados, decidem livremente abraçar a vocação matrimonial como caminho para a sua felicidade, uma felicidade que se deseja viver agora mas cuja plenitude só se alcançará na eternidade, no encontro definitivo com Jesus Cristo, a Verdade feita carne, resposta definitiva ao coração e desejos mais profundos do homem. Só o Seu amor infinito e misericordioso pode sustentar o nosso amor humano tão finito e limitado. Por mais belo e verdadeiro que seja o amor que une um homem e uma mulher, as fragilidades, incompreensões, desilusões, sofrimentos também estarão presentes nessa relação.
Nesses momentos, mais do que nunca, o amor prova que está para além das emoções. Um amor que se abre ao sacrifício. “As pedras nunca saberão o que é o amor” canta uma canção mexicana. Nem mesmo os animais sabem de que se trata pois regem-se apenas pelo instinto e a sua prática sexual é uma mera manifestação corporal. Bem diferente é a união conjugal que, quando vivida como doação, vai muito para além do ato sexual. É uma entrega do corpo e da alma; uma decisão de permanecer juntos, duas liberdades que se aceitam e se comprometem para sempre. Uma comunhão que desafia transformar dois caminhos num só. E isto é tarefa de uma vida inteira.
Não é fácil, nem tal foi prometido alguma vez, mas sendo o matrimónio cristão um sacramento, ele é sinal de um Outro — Jesus Cristo — que estando presente, sustenta a promessa dos esposos. Uma presença oferecida primordialmente na Eucaristia, no mistério do Seu profundo amor pela humanidade. Esforçar-se por viver o matrimónio sem o reconhecer como sinal visível do amor de Cristo pela sua Igreja, é reduzir essa aliança sacramental a um contrato, é pretender amar com meras capacidades humanas, transformando o matrimónio num ideal belo, mas só realizável para alguns virtuosos.
E por essa razão a Igreja sempre apelou a que os casais unidos no sacramento do matrimónio se sustentassem na Eucaristia. A Eucaristia não como um prémio para os bons, antes um remédio de imortalidade que eleva o amor conjugal à graça de redenção. Os dois cônjuges unidos ao amor de Cristo, sabem que existe uma fidelidade maior, para a qual se dirigem, e que se revela e intervém permanentemente na sua história conjugal. A promessa feita no dia do seu matrimónio — indissolubilidade, fidelidade e fecundidade — implica o desejo de manter o próprio e frágil amor dentro do Amor absolutamente seguro e estável de Deus.
Se por alguma razão um dos cônjuges for infiel ao seu compromisso e a relação acabar em separação, a certeza da fidelidade inequívoca de Jesus Cristo a cada um dos cônjuges deve animá-lo a manter-se fiel ao amor de Deus, continuando a ser alimentado por Ele na Eucaristia. Querer procurar outro parceiro para abafar a sua dor e solidão, em vez de recorrer Àquele que deseja plenamente manter-se ao Seu lado é responder com infidelidade à infidelidade de que foi vitima. É sair da comunhão desse amor divino. Não é que Jesus Cristo o abandone, pois tal nunca acontecerá, mas é o próprio que relega Deus para um segundo lugar não cumprindo o primeiro mandamento de “amar a Deus sobre todas as coisas”. É adulterar a sua relação com Deus substituindo o amor incondicional de Jesus Cristo por um amor humano que preencha a carência afetiva. Mas esse amor humano, que em tudo pretende ser como o sacramental, na realidade não o é, e o ato sexual que une o homem e a mulher não é comunhão do corpo e da alma nem sinal do amor indissolúvel de Cristo pela sua Igreja.
Quando a Igreja recomenda aos seus filhos divorciados que contraíram um casamento civil a absterem-se de relações sexuais se desejarem receber os sacramentos, não está a pretender castigar os menos afortunados, nem muito menos pedir-lhes o impossível, antes está a afirmar que essa união não é expressão verdadeira do amor cristão. A Igreja não está a propor essa exigência contando meramente com as forças humanas do casal: pela oração e sacramentos é possível redescobrir que o amor a Jesus Cristo garante muito mais a felicidade do que qualquer amor que se afaste de Deus. Sem os olhos da fé, tal não se compreende. Sem uma experiencia de Cristo, nem os próprios homens saberão o que é o amor. Não são somente as pedras que desconhecem esse amor.
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