No reino das aparências

Público, 20100218 Pedro Lomba


O que quer o propagandista não é controlar a realidade. A sua primeira ambição é outra: gerir a aparência. Não lhe interessa refutar factos e suspeitas desfavoráveis, mas manipular a forma como esses factos são lidos e interpretados pelo maior número de pessoas. É nessa contra-informação metódica que o propagandista cava a distância entre o que é e o que parece.
Por isso, o grande motor de toda a propaganda - política, económica ou cultural - residiu sempre na criação sofisticada de aparências. As aparências também assentam em opiniões. Mas essas opiniões são distorcidas, falsificadas, enviesadas. São opiniões falsas que pretendem gerar outras opiniões falsas. Nas sociedades de massas, as aparências circulam como produtos tóxicos. E o mais difícil nisto tudo é isolar e compreender a realidade.
No caso do plano com que alegadamente o Governo queria tomar conta da TVI - a que podemos chamar plano A, porque resta apurar se a operação não acabou por ser executada através de um plano B, com protagonistas diferentes -, é elucidativo ver o empenho com que todos os intervenientes no negócio falhado quiseram alimentar a ideia de que tudo seria na aparência algo diferente daquilo que de facto era. O Solconta, por exemplo, que Zeinal Bava, obviamente para proteger a imagem da sua empresa, tudo fez para que a operação se fizesse sem que a PT "aparecesse"; o administrador Rui Pedro Soares mais o seu ajudante jurídico, Paulo Penedos, também parecem ter conduzido esforços para que o negócio fosse visto como uma "guerra entre empresas".
Remover José Eduardo Moniz antes de a PT entrar reforçaria o jogo de aparências. Até quando Moniz verbalizou publicamente que ponderava candidatar-se a presidente do Benfica, os "executores" do "plano" terão esfregado as mãos. Isso significava que a posição de Moniz na TVI não estava certa e os motivos da sua contratação poderiam ser mascarados com outra eficácia e sucesso. A "guerra entre empresas" seria, em princípio, o contexto perfeito para se esconder o carácter político do negócio.
Quando hoje pergunta o primeiro-ministro ou, dizendo rigorosamente, quando outros perguntam por ele: eu menti ao Parlamento? Quem não mentiu? Eu quis controlar a comunicação social? Quem não o quis no passado? Eu pus os "meus" boys nas empresas públicas? Atire a primeira pedra quem não o fez. Quando estes "argumentos" são soprados por ele e pelos seus defensores mais desesperados, trata-se da mesma onda mistificadora que abastece o reino das aparências.
Quando ontem, o dirigente socialista José Junqueiro veio lembrar que o Expresso e a SIC pertencem a fundadores do PSD - e de um ex-primeiro-ministro, Francisco Pinto Balsemão, - e o PÚBLICO é propriedade de Belmiro de Azevedo e o semanário Sol tem "como accionistas e ideólogos as principais figuras do PSD" (sic), o enredo, cada vez mais implausível, passa a ser outro. Deixamos de estar perante uma guerra entre empresas mas entre partidos e órgãos de comunicação social.
Assim se percebe por que José Sócrates deixou ontem o Olimpo do Governo para, descendo às bases, incitar a "família PS" a assumir as dores do cerco que lhe foi criado. Interessa-lhe agora a aparência de uma provocação partidária para, eventualmente, conseguir dissolver a sua própria responsabilidade. Uma disputa PS contra o PSD é mais uma aparência conveniente.
Neste circo de aparências, a única coisa que não interessa enfrentar é a realidade. Fez ou não o primeiro-ministro aquilo de que muita gente o acusa? Enquanto tarda esta resposta, vamos apodrecendo como país no reino das aparências, em que a prestação de contas e a responsabilidade política não existem, não valem de nada. Belo regime.
Jurista

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