Bónus milionários

DN20100215 JOÃO CÉSAR DAS NEVES

Uma das poucas certezas absolutas neste tempo confuso é que são escandalosos os bónus pagos aos banqueiros. Todos sabem que os bancos receberam enormes ajudas públicas para tapar os seus erros e usam-nas agora para encher os bolsos, aliás como sempre.

De facto há casos vergonhosos, mas mesmo nesses as coisas são mais complicadas do que parecem. É preciso perceber o problema, saber porquê e onde está o mal. O que não é fácil, pois nada é mais avassalador que um preconceito de um tempo que se acha sem preconceitos.

A irritação genérica contra a banca é tolice. Será que é boa ideia pagar mal às pessoas que tratam do nosso dinheiro? Não será a sua própria função uma justificação para aquilo que tanto nos irrita? Percebe-se a indignação, mas qual é exactamente a alternativa que os críticos propõem?

Saberíamos nós fazer o que eles fazem? Nesta crise muitos se divertiram à custa da complexidade dos modelos e produtos que falharam. Mas apesar desse paradoxal orgulho de ignorância, não mostrou a crise precisamente a complexidade e riscos do sector? Devemos pagar mal a quem trabalha com produtos não só explosivos mas terrivelmente complicados? Claro que os financeiros que falharam devem ser punidos, e foram-no largamente. Mas esse mesmo falhanço parece indicar que os sobreviventes devem ser mais bem, não mais mal remunerados. Perante o desastre, muitos dizem que esses produtos nunca deviam ter existido. Também se diz o mesmo nos acidentes com aviões, dinamite ou centrais nucleares e todos gostamos dos benefícios quando corre bem.

Este é o elemento essencial: a banca ganha muito porque produz muito. Grande parte do crescimento das últimas décadas deve-se ao melhor acesso ao capital gerado pela globalização financeira. Vimos isso bem em Portugal. Há 25 anos era caro pedir dinheiro ao banco, e isso estava vedado a muita gente. Muito do espantoso desenvolvimento empresarial e social destes anos nasceu de melhorias financeiras.

Mas esses produtos, extremamente poderosos, são também muito perigosos. É fácil, como sabemos bem, embrulhar-se em dívida e cair em crise. Tal como em tantas outras coisas que o progresso nos trouxe, o seu mau uso não nos pode cegar para os benefícios.

Se Portugal subiu muito, o mundo teve um crescimento ainda mais notável. Foram arrancadas à pobreza 500 milhões de pessoas em dez anos, mais que em muitos séculos anteriores. Vários factores explicam isto, mas um dos principais é a tal globalização financeira, a mesma que propagou a crise. Agora que estamos a corrigir as consequências dos abusos, temos de prevenir os erros, mas sem estrangular um poder que permanece vital.

Então onde está o mal? A correcção indispensável centra-se em dois pontos. Um, de que todos falam, é a revisão das leis e práticas de supervisão financeira. Outro, mais importante e silencioso, é a governação das empresas. Quem dirige a companhia? Como podem accionistas, trabalhadores e clientes, controlar essa administração? Este magno problema não se reduz ao sector financeiro, mas está bem presente na questão dos bónus. Quando a paga é determinada por amigos, que se apoiam uns aos outros, é inevitável o abuso.

Aqui um facto recente em Portugal revelou um terrível problema no momento mais delicado. O Instituto Português de Corporate Governance (www.cgov.pt), associação de empresas e empresários, andou anos a elaborar um Código de Bom Governo das Sociedades que, depois de muito trabalho, consultas e debates, levou a aprovação na assembleia geral de 29 de Janeiro passado. Dias antes "um grupo de grandes empresas portuguesas, que integram o PSI-20 (...), recusaram-se a assinar a versão final" (Público 29/Jan.), o que levou a direcção do instituto a demitir-se.

A lista de nomes de ambos os lados deste embate parece uma selecção das figuras mais marcantes da nossa economia. Não é claro ainda o que isto quer dizer mas, o que quer que seja, é muito mau sinal, em especial neste momento. Entre os graves problemas que se ligam aqui, o dos bónus dos banqueiros é um dos menores.

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