O caso (nos dois sentidos) da sra. Robinson

por ALBERTO GONÇALVES DN20100117

Terça-feira, 12 de Janeiro

A consciência moral de meio mundo despertou para a história de Iris Robinson, a deputada e mulher do primeiro-ministro da Irlanda do Norte que, aos 59 anos, deu umas cambalhotas extraconjugais com um rapaz de 19 e, ao que consta, se serviu da posição (política, nada de segundas intenções) para financiar o bar do amante. A justiça local pegou no lado corrupto da questão. A justiça popular de toda a parte preferiu naturalmente o lado pícaro e, além de elaborar vistosos trocadilhos com a adúltera homónima do filme A Primeira Noite (e a canção de Paul Simon feita para o filme), desatou a condenar a sra. Robinson pela aventura sexual.

A condenação merece um ou dois comentários. Há uma quantidade notável de políticos infiéis que se safaram sem mácula, ainda que as consequências da infidelidade fossem ligeiramente mais graves que a abertura de um bar. Um exemplo moderado é o de Bill Clinton. Um exemplo extremo é o de Edward Kennedy, que, em Julho de 1969, conduziu não demasiado sóbrio o seu carro para o fundo de um lago. No carro seguia, e lá ficou até morrer, uma "amiga" do senador. O senador fugiu. O escândalo não impediu que Kennedy sobrevivesse biológica e politicamente ao acidente e que, 40 anos decorridos, as elegias fúnebres de Agosto passado o pintassem como um santo. Já a carreira da sra. Robinson (e, talvez, a do marido) terminou dias após a divulgação do seu pecado. O que explica a diferença de tratamento?

O problema, se bem percebo, passa pelas convicções, sinceras ou simuladas, da sra. Robinson. Antes do deslize amoroso, ela cometeu o deslize de confessar fé cristã e simpatia pelos "valores familiares". Pior ainda, em 2008 produzira umas afirmações desagradáveis acerca da homossexualidade. Isto, somado ao affaire, chega e sobra para transformar a senhora numa "hipócrita". Na América, embora obviamente não só na América, a detecção da "hipocrisia" em políticos conservadores é um dos desportos preferidos da esquerda, sob o argumento de que a vida privada deve corresponder escrupulosamente aos ideais professados na vida pública. Podia-se inferir daqui que, em nome da coerência, os ideais públicos de Clinton incluíam o abuso de funcionárias e os de "Ted" Kennedy a embriaguez, o homicídio e a fuga. Mas é melhor dar um desconto, e apenas notar que atrás de imensos progressistas se esconde um inquisidor e uma fogueira acesa.

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