Governo irresponsável
João César das Neves
DN, 20100111
Este é o Governo dos regulamentos, fiscais, inspectores. Qualquer pretexto é bom para nova portaria, da defesa do consumidor à protecção do ambiente passando pelo tabaco e a gripe. Por tudo e por nada temos exigências, imposições, despesas. Os propósitos são sempre excelentes, mas não se pensam as consequências. Tudo cai sempre sobre os contribuintes e empresas, com custos, limites, restrições. E mais os impostos, sempre os impostos. Depois não temos flexibilidade, produtividade, investimento. Que surpresa! Quando dizemos que o Governo é irresponsável, é isto que queremos dizer.
Uma evidência sucessivamente repetida é o grave endividamento externo de Portugal que se acumula há mais de dez anos. O Governo diagnosticou o problema em 2005 e anunciou medidas duras para controlar a situação. Mas em vez de verdadeira austeridade e redução da despesa pública, preferiu descarregar no contribuinte e maquilhar o défice com subidas de receitas. Isso aumentou a dívida total do País mesmo no curto período em que as finanças públicas pareciam melhorar. Inevitavelmente, no primeiro soluço económico, todos os ganhos orçamentais se evaporaram. Quando dizemos que o Governo é irrespon- sável, é isto que queremos dizer.
Perante a crise conjuntural, com origens externas agravadas pela delicada situação doméstica, anunciam-se medidas de recuperação. Mas em vez de escolher programas para aguentar as empresas nos meses difíceis, aliviar as regulamentações e reduzir carga fiscal, prefere-se centrar a discussão nas grandes obras públicas, muito mais mediáticas e populares. Mas esses projectos terão efeitos económicos só dentro de anos, quando a recessão tiver acabado. Nessa altura subirão ainda mais a dívida explosiva. Quando dizemos que o Governo é irresponsável, é isto que queremos dizer.
O pior da situação económica actual é sem dúvida o drástico aumento do desemprego que ultrapassou máximos históricos. Em particular os trabalhadores pobres e não especializados têm sido mais atingidos. Dado que ao mesmo tempo se verifica uma deflação, com descida de preços que só por si aumenta o valor dos rendimentos, o mais elementar bom- -senso recomenda moderação salarial para proteger os postos de trabalho que se mantêm. Em vez disso, o Governo decidiu a medida bombástica de aumentar o salário mínimo para 475 euros. Como vem na sequência de subidas anteriores, o nível é hoje 27% superior ao de 2005, mais de 17% em termos reais. É inacreditável que pessoas responsáveis apresentem essa medida como um esforço governamental de justiça social. De facto o Estado não paga um cêntimo desse salário mínimo. O que faz é apenas proibir os empregos que paguem menos. Para os trabalhadores que se mantêm a trabalhar há ganhos. Mas quantos vão ser forçados ao desemprego ou à clandestinidade por esta decisão supostamente benéfica? Em momento de recessão e deflação a proposta raia a loucura e fazer experiências com pessoas pobres é infâmia. A subida do salário mínimo constitui o maior atentado das últimas décadas às classes desfavorecidas. Quando dizemos que o Governo é irresponsável, é isto que queremos dizer.
Um líder respeita e compreende o povo que dirige e procura manter unido e empenhado para enfrentar as dificuldades que surgem a cada momento. Se pelo contrário o dirigente começa a impor os seus caprichos, gerando clivagens e divisões sociais, inverte a sua função e passa a ser o inimigo. Foram sempre assim os tiranos. A actual incarnação governamental do PS, ao sabor de brios ideológicos, tem adoptado medidas chamadas "fracturantes". Em nome de suposta "modernidade" desafia os princípios básicos da sociedade e gera polémicas artificiais. Isto, só por si, manifesta falta de sentido de Estado, incapacidade política e incompreensão das elevadas funções executivas. Mas quando temas civilizacionais são tratados de forma apressada, arrogante e atabalhoada entra-se no campo da desonestidade e da indignidade. Quando dizemos que o Governo é irresponsável, é isto mesmo que queremos dizer.
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