Diferente

Público, 20100122 Luís Campos e Cunha

Um dia também seremos diferentes mas é tarde. Nessa altura as nossas empresas serão propriedade de alemães ou americanos

Todos os dias pensamos que o mundo poderia ser diferente. Em particular, desejamos que o nosso mundo seja diferente, seja o nosso país ou apenas o nosso círculo de relações. O interessante é que há sinais de que o mundo é diferente (e melhor) em vários locais da Terra.

Duas notícias bem diversas, bem distantes geograficamente e até algo afastadas no tempo dão-nos uma pálida ideia do que pode ser diferente.

Há uns dois meses - primeira notícia - na Alemanha, a associação de industriais - BDI business association - estava muito preocupada com a possibilidade de o novo governo baixar impostos. A Sra. Ângela Merkel tinha-o prometido na campanha eleitoral e presumo que, ideologicamente, será próxima da maioria dos homens de negócios alemães. No entanto, eles tornaram claro que a coligação centro-direita, baixando impostos, estava a pôr em causa a reputação da Alemanha de rigor e de prudência orçamental.

Quão longe estamos de uma Alemanha deste calibre! Quão distantes estão a maioria dos nossos empresários dos empresários alemães.

Esta notícia lembra-me uma das poucas coisas que aprendi com os marxistas. De facto, aprendi pouco com eles, porque tenho um coração empedernido ou uma mente demasiado alerta e nunca fui um deles. Mas aprendi que o último dos capitalistas venderia a corda com que os revolucionários enforcariam o penúltimo dos capitalistas. Os empresários alemães provaram que já não se lhes aplica tal lenga-lenga marxista. Mas os empresários portugueses, na sua maioria, pedem ajudas ao Estado todos os dias; e ajudas significam ou isenções de impostos ou subsídios, que não são mais do que impostos negativos. Todos os dias ouvimos empresários da construção civil (grandes em volume de negócios) e até (alguns) banqueiros a incentivarem o Governo a avançar com os grandes projectos; ou seja, para estes ainda o ditame marxista se aplica como uma luva. Os seus interesses mais imediatos e mais pessoais estão à frente da saúde económica e financeira do país. Mas um dia, muito mais tarde, vai ser diferente.

Uma segunda notícia, que ocupa as páginas dos jornais internacionais, mostra, igualmente, que há um mundo diferente. Estou a falar da recente guerra entre a conhecida Google e o Governo da China. A Google ameaçou sair da China se as autoridades continuassem a querer impor censura nas informações disponíveis na Internet e de acesso via Google.

Os chineses, melhor as autoridades ditatoriais da China, querem que notícias sobre o que aconteceu no Tibete ou o massacre na Praça de Tiananmen não estejam acessíveis aos cidadãos chineses. Tentaram, mais ainda, entrar nos sistemas da Google e detectar conversas politicamente pouco adequadas. A Google reagiu violentamente e ameaça sair daquele mercado.

Este problema tem sido tão grave que se tornou numa questão muito embaraçante para as relações entre a administração americana e as autoridades chinesas. Apesar de tudo, o Presidente Obama e a sra. Clinton não deixaram de apoiar a empresa.

Mais uma vez temos comportamentos na área dos negócios, por parte da Google, e da política, no que diz respeito aos americanos, que mostram quão diferente o mundo é do nosso mundo. Aconteça algo de equivalente em Angola e veremos qual a reacção, tanto da empresa portuguesa como dos políticos nacionais, ao problema.

Tudo isto nos faz sentir diferentes e piores que as melhores práticas na área dos negócios, da política e do comportamento da sociedade face aos graves problemas nacionais. Um dia também seremos diferentes mas é tarde. Nessa altura as nossas empresas serão propriedade de alemães ou de americanos.

Dirão que há quem seja pior do que nós, mesmo na Europa; admito que seja verdade mas não me satisfaz. Gostaria de fazer inveja aos outros por as nossos atitudes serem, tanto nos negócios como na política, mais responsáveis e socialmente mais ambiciosas. Tudo começa e acaba em nós próprios e nas nossa exigência face aos outros.

Professor universitário

Comentários

Anónimo disse…
"Tudo começa e acaba em nós próprios e na nossa exigência face aos outros".
Palavras que suscrevo. Se não podemos mudar o mundo, vamos tentar mudar as mentalidades dos portugueses. Somos um povo muito unido, vejamos o caso do ano 2004, o país inteiro com bandeiras nas varandas, janelas , nos carros enfim , mostrámos que somos unidos isto é uma questão de querer.estamos num país tão pequenino, um rectângulo apenas. " QUERER É PODER ".

Cumprimentos

Olga Justo Louro

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