Solução desprezada
DN20091207
João César das Neves
Os economistas estão de acordo. Isto em si mesmo deve ser celebrado. O interesse é ainda maior pois o consenso situa-se no assunto mais grave e influente da vida pública, a crise nacional. Existe uma unanimidade estrutural dos diagnósticos e em grande medida das terapêuticas. Claro que há contestatários, como se impõe na sociedade mediática, mas aqueles que interessa ouvir dizem o mesmo.
Nos últimos meses, além de múltiplas entrevistas e declarações, foram publicados vários trabalhos de fundo de eminentes economistas e instituições, explicando e resolvendo a grave situação da nossa economia. Embora diferentes no estilo e argumentos o quadro que traçam é bastante consistente. Como afirma talvez o melhor, o caminho a seguir é «a) restaurar a competitividade; b) redireccionar o investimento público e os incentivos ao investimento privado a favor do sector transaccionável; c) redireccionar os incentivos à produção, também a favor deste sector; e d) flexibilizar o funcionamento da economia e nomeadamente do mercado de trabalho (...) Complementarmente, é necessário reduzir a procura interna para um nível mais sustentável» (Vítor Bento (2009) Perceber a crise para encontrar o caminho, bnomics, p.101-102).
Se temos diagnóstico e terapêutica, que falta? Alguém que lhe ligue. De facto, lendo discursos oficiais, reportagens jornalísticas e discussões políticas, tudo parece alheio a este caminho. Nos debates da televisão ou conversas de cafés só se fala de professores e saúde, fiscais e polícias, funcionários, escutas e sucatas. As atenções continuam bem centradas nas questiúnculas do sector não transaccionável, aquele que não tem relações externas e aumenta a dívida. Só nos preocupam direitos adquiridos e pensões, férias e ambiente, estradas e construção.
Entretanto, as exportações oprimidas, défice externo, dívida crescente, falta de competitividade, são temas omissos ou meramente incómodos. Afinal, vivemos há tanto tempo com o buraco na balança de pagamentos sem problemas, porquê perder tempo com ele? Notam-se os seus sintomas no desemprego, pobreza, recessão. Esses seriam resolvidos se o desequilíbrio estrutural fosse tratado, mas acabam por escondê-lo.
As medidas e planos políticos apresentados, centrando-se nas tais actividades que agravam o endividamento, ainda impõem novas restrições reduzindo a flexibilidade económica. Além de continuar a pressão política do sector da construção nos sonhos de comboios e aeroportos. Os responsáveis insistem na via que nos enfiou no buraco, o que nem surpreende, sendo eles quem nos trouxe aqui.
A única proposta remotamente relacionada com as medidas necessárias é a sempre adiada consolidação orçamental. Essa ao menos reduziria a insustentável procura interna. Mas centrando atenções no défice errado acaba ineficaz. O Governo anterior é prova disso. O nosso desequilíbrio vem de vivermos acima das nossas posses pois a competitividade não permite despesa tão alta. A manifestação directa está na balança externa, sendo o Orçamento do Estado apenas parte do mal. Por isso dominar esse défice aumentando a pressão fiscal sem reduzir os gastos reduz a sangria pública mantendo a hemorragia externa, como se viu nos últimos anos.
Isto mostra porque subida de impostos não é caminho aconselhável. Tem, é verdade, a vantagem de limitar a despesa das famílias e empresas, contribuindo para colmatar o desfasamento. Aliás, a crise internacional está a ter o mesmo efeito e a poupança privada começou a subir. Mas há séculos que a democracia em Portugal tem um problema: aumentar receitas do Estado apenas confirma a despesa, que depois sobe mais um patamar. Estes anos também confirmam isso.
A situação financeira nacional está longe de ser desesperada, até comparando bem com parceiros próximos. Os níveis ainda são razoáveis, embora cresçam assustadoramente. As boas notícias é que ainda vamos a tempo, o diagnóstico está feito, é claro e simples. Temos a dieta pensada e remédios para anestesiar o processo. Só falta quem.
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