E a seguir?...

Público, 20091227, Vasco Pulido Valente


Recebi do meu banco a seguinte carta: "Exmo. Sr., De acordo com o determinado pelo aviso do Banco de Portugal nº (...) os titulares de todas as contas bancárias, seus representantes e/ou autorizados deverão proceder à actualização dos respectivos elementos de identificação e à entrega dos documentos comprovativos. Assim solicitamos que nos (...) entregue os documentos (abaixo) assinalados: bilhete de identidade, cartão de contribuinte, comprovativo de morada, comprovativo de profissão e entidade patronal." Só falta, como eles dizem, um comprovativo da propriedade pessoal, um comprovativo do estado civil, um atestado de saúde e, não tarda muito, uma coleira no pé, para o Banco de Portugal saber exactamente por onde anda cada um de nós, não vá a gente frequentar sítios de que ele não gosta.A primeira dúvida que esta carta suscita é de saber se o Banco de Portugal tem autoridade para invadir a privacidade de qualquer cidadão por um mero "aviso", sem prévio consentimento da Assembleia da República. Pôr dinheiro no banco não passa em princípio de um acto particular e confidencial entre um indivíduo e uma instituição financeira, em que o Estado não se pode, ou deve, ingerir. É até certo ponto compreensível que um banco exija a identidade do depositante e o número de contribuinte, para não ser envolvido em negócios de natureza criminosa ou ilícita. Mas nada justifica que, sobre isso, o Banco de Portugal queira também saber a morada, a profissão e o emprego de quem usa um serviço fora da esfera pública - uma devassa manifestamente incompatível com a liberdade que a Constituição garante.

Se alguma coisa o Banco de Portugal não merece é a nossa confiança. Seja pelo que for, sob a gerência do dr. Vítor Constâncio, permitiu o desastre nacional do BPN e do PPP, que já custaram, ou vão custar, ao contribuinte centenas de milhões. Não há motivo algum para lhe revelar a nossa vida, sem necessidade aparente ou explicação bastante. Excepto, claro, a força bruta. O Governo socialista de José Sócrates nunca hesitou em restringir a autonomia dos portugueses. A informação que o Estado acumulou - e concentrou - sobre qualquer pessoa que por aí anda é, pura e simplesmente, intolerável e perigosa. Na América, em Inglaterra, em Itália ou mesmo em França ninguém o consentiria. Infelizmente, Portugal está habituado a que mandem nele como um cão vadio. Deixem fazer e depois não se queixem.

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