Orgulhosamente sós... ou o referendo
A questão da celebração do casamento homossexual não é de direitos, mas de requisitos e estrutura social
O debate está lançado. Queremos que o casamento possa ser celebrado por pessoas do mesmo sexo? Queremos modificar os pressupostos do casamento? O casamento pode ser celebrado por pessoas de 14 anos? E de 10 anos? O casamento civil pode ser indissolúvel? No domínio da vontade individual tudo é possível de imaginar, tentar e até querer. Mas a experiência humana e a memória de muitos séculos deu a conhecer aos homens que determinadas formas de organização social são boas e outras serão menos boas. Por isso, a lei quando é feita só pode ter um de dois objectivos - reprimir, sancionar e proibir um comportamento - ou aplaudir, proteger e incentivar outro comportamento humano. Ao tomar posição, em nome da sociedade, a lei dá também orientação ao indivíduo.
Este é o ponto central do referendo ao casamento homossexual. O que quer esta sociedade do casamento e da protecção do superior interesse da criança?
Para evitar este debate, lança-se agora o "fantasma" dos direitos humanos invocando que o "casamento homossexual é um direito fundamental" e, estes não se referendam!!!
Se fosse uma questão de direitos humanos, estaríamos na primeira linha do combate por eles. É por isso que temos perguntado - onde falta igualdade? No direito sucessório? Altere-se o direito sucessório! Nas pensões de velhice? Altere-se o regime de pensões! Mas de facto não temos tido respostas de casos concretos. Admitimos que possa haver e que, no âmbito de cada um, seja resolvido a curto prazo.
Porém, a questão da celebração do casamento homossexual não é de direitos, mas de requisitos e estrutura social. Como queremos viver? É uma decisão colectiva. Repito. Desejamos que crianças de 14 anos possam casar? Os muçulmanos em Portugal têm direito à poligamia? Os católicos têm direito a celebrar um casamento indissolúvel na lei civil? São tudo alterações possíveis à lei que regula o contrato de casamento.
Aliás, há que perguntar porque modificamos um dos pressupostos do casamento e não modificamos outros? Quem diz o que já tem consenso social? Como se identifica esse consenso? Ou há um grupo que impõe a sua visão à sociedade?
O instrumento mais fiável para essas respostas é de facto o referendo. Aí saberemos o que quer o povo.
Tem sido assim em muitas das sociedades onde esta questão se tem colocado. Porém, assistimos agora à defesa da tese de que "Direitos Humanos não se referendam". Ora, aqueles que agora invocam esse argumento noutras épocas em que verdadeiramente estavam em causa direitos humanos, não se coibiram de os negar pela via referendária.
O referendo a esta matéria já foi feito em mais de 42 Estados. Será que os juristas desses Estados não sabem que "Direitos Humanos não se referendam"? Ou este saber é só de alguns juristas portugueses?
O caso da Califórnia é digno de ser contado. No mesmo dia da eleição do Presidente Obama, foi a referendo o "casamento entre pessoas do mesmo sexo" o qual já estava legalizado pela via judicial, há cerca de 4 anos. O povo da Califórnia votou maioritariamente Obama (que diz pretender legalizar o casamento homossexual em todos os Estados) e simultaneamente votou maioritariamente contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo!
Isto é, a questão é de tal forma determinada por uma opção sobre a sociedade, que não pode ser espartilhada nas baias da eleição para os clássicos lugares de governação.
Também assim o Tribunal Constitucional Português acaba de proferir Acórdão (359/99) em que reconhece que o princípio constitucional da igualdade nada impõe quanto à legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Mais, adianta que, estamos no âmbito da política legislativa.
Quem agora vem negar ao povo o direito a dizer em que sociedade quer viver - que organização da sociedade, como são educadas as crianças se com um pai e uma mãe, se com duas mães ou dois pais - está a colocar Portugal numa situação ímpar. Onde, por decreto, o povo não pode dizer como se quer organizar, apesar de na Europa e na América já se terem feito mais de 42 referendos. Todos os outros 42 Estados estão mal?
Ficou-nos este estigma? Orgulhosamente sós...
Ou perguntamos ao povo: concorda que seja celebrado casamento entre pessoas do mesmo sexo?
Sem estigmas - o referendo...
Jurista e mandatária da Plataforma Cidadania e Casamento
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