Não há homens
Público, 20091219 Vasco Pulido Valente
No meio da barafunda e da irresponsabilidade em que o país caiu - quem se lembra à beira da falência de ocupar o Parlamento com o casamento homossexual? Ou de fazer um monumento de um milhão à bandeira republicana, que na época a esmagadora maioria dos portugueses não queria - no meio deste caos, desta loucura, desta doença, os primeiros parlamentos do regime, a começar pela Constituinte, parecem monumentos de inteligência e de civismo. E de certa maneira foram. Mesmo num ambiente de histeria revolucionária, com o PC armado, a extrema esquerda na rua e, como de costume, o MFA em delírio, a Assembleia, ou a parte dela, não perdeu a dignidade e a coragem, resistiu à demagogia e acabou com dificuldade por preservar o essencial.
Hoje, toda a gente diz que "Não há homens", como constantemente se disse durante o século XIX e o século XX: no fim da "Regeneração" de 1820, no fim das guerras civis de 1834-1851, no fim da Monarquia Constitucional, durante quase toda a República Jacobina. A nossa história alegadamente "moderna" tem sido uma desilusão perpétua, uma série de fracassos com pequenos períodos de alguma, muito vaga, prosperidade (quando vinha dinheiro de fora: de Inglaterra, por exemplo, do Brasil, ou depois da Europa). Mas dantes, nos piores momentos, sempre existiu uma esperança: a esperança da liberdade ou (para usar uma expressão do tempo) da "liberdade legal", da República, da ordem ou da social-democracia. Agora nem a esperança sobra e voltou a velha lamúria indígena: "Não há homens".
E porquê? Por que razão não há homens? Porque, tanto no PS como no PSD, e até, ocasionalmente, no próprio CDS, a oposição à ditadura (clandestina, aberta ou "colaborante") os criara. A maioria dos deputados de 1975, de 76, de 79, de 80, chegou a São Bento por convicção, com sacrifício, com risco (principalmente, em 75) e, ponto importante, com uma carreira respeitável. Poucos vieram por oportunismo. Quase nenhum para se promover, para ganhar influência, para entrar nos "negócios", para ar-ranjar um emprego. As coisas mudaram quando a política se profissionalizou e o interesse geral foi subordinado ao interesse particular do partido e, dentro do partido, ao de cada indivíduo. O país que se lixe. A obsessão da Assembleia (e do Governo) é meramente táctica: o voto, a vantagem imediata, o efeito na televisão ou na imprensa. É uma obsessão estéril e torpe. Não, de facto, não há homens.
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