Retrógrados e passadistas

Expresso, 080712
João Carlos Espada
jcespada@netcabo.pt

Os factos revelam uma correlação fortíssima entre aumento da criminalidade, aumento da pobreza, dependência do «welfare» e erosão da família
O líder do partido conservador britânico, David Cameron, condenou esta semana uma cultura de “neutralidade moral” que está a conduzir a Inglaterra para níveis sem precedentes de delinquência juvenil e criminalidade.
Cameron referia-se ao assassínio de um jovem de 14 anos nas ruas de Londres - o 19º só este ano. Observou que “a erosão nas últimas décadas do sentido de responsabilidade, de virtude social, de autodisciplina e de respeito pelos outros está a conduzir a uma cultura de gratificação instantânea e a uma sociedade desmoralizada, em que ninguém quer dizer a verdade acerca do que é bem e mal, certo e errado”.
Estas palavras são o eco quase literal dos trabalhos da historiadora norte-americana Gertrude Himmelfarb, que aqui tenho referido frequentemente. O ponto interessante é que a edição inglesa do penúltimo livro de Himmelfarb - ‘The Roads to Modernity: The British, French and American Enlightenments’ - acabou de sair com um prefácio do primeiro-ministro trabalhista Gordon Brown.
O livro - que aqui referi há dois anos, na altura da edição americana -- sublinha as diferenças entre o Iluminismo inglês e americano, por um lado, e o francês, por outro. Basicamente, argumenta que o Iluminismo anglo-americano, ao contrário do francês, não se propunha destruir todas as instituições sociais que não pudessem ser demonstradas à luz da chamada ‘razão’. Por isso, os anglo-americanos viam a razão em diálogo com a fé e com a tradição, isto é, a experiência acumulada por gerações anteriores. Prezavam instituições espontâneas e intermédias, como a família, e viam-nas como garantes da liberdade ordeira.
As palavras de David Cameron e o prefácio de Gordon Brown revelam que as lideranças dos dois maiores partidos britânicos estão finalmente a descobrir o que os seus colegas americanos e australianos há muito descobriram: que não é possível travar a espiral de delinquência e criminalidade juvenil, sem denunciar os ataques politicamente correctos à família, ao casamento e às regras gerais de boa conduta.
É claro que muitas vozes se apressaram a criticar Cameron e Brown, acusando-os de retrógrados e dogmáticos. Mas a vacuidade dessas críticas é igualmente clara: retrógrados e passadistas são os que repetem a cartilha ideológica da ‘neutralidade moral’, em vez de enfrentarem os factos com abertura intelectual.
E os factos revelam uma correlação fortíssima entre aumento da criminalidade, aumento da pobreza, dependência do «welfare» e erosão da família. Só não vê quem não quer ver.


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