O ESTADO DA NAÇÃO
Maria José Nogueira Pinto , DN, 080710
jurista
É assim que se designa o último grande debate parlamentar antes de deputados e governantes irem a "ares". Uma designação promissora que - aprendi-o quando fui deputada e líder parlamentar - não corresponde às expectativas.É apenas um nome pomposo para um debate igual a todos os outros, com o Governo a dizer que governa e a oposição a falar de desgoverno. Mas a um ano das eleições, com o País arrastado por uma tripla crise global, integrado numa União Europeia à deriva, revelando definitivamente as suas debilidades endógenas, sem arcaboiço nem defesas próprias, este debate podia e devia ir mais fundo.O Governo de Sócrates iniciou uma série de medidas reformistas necessárias e oportunas. Em dado momento, porém, desmobilizou-se, confundiu-se, hesitou e arrepiou caminho. Ora, não existe nada pior que meias reformas. Se na primeira fase o primeiro-ministro usou de arrogância na imposição das suas certezas absolutas sobre Portugal e os portugueses, a seguir teve medo da rua, da organicidade das vozes discordantes, dos sinais públicos do descontentamento e da sua massificação. De cada vez que se sentiu ameaçado deu um salto à televisão para debitar o seu cativante monólogo. Uma receita que começa a não surtir efeito...Mas também é verdade que, até agora, as oposições parecem não se ter dado ao trabalho de monitorizar este zelo reformista.Nem sei se se deram conta do momento exacto em que, entrando em profunda contradição, Sócrates deu o golpe de misericórdia na reforma da Saúde; ou de como a tão propalada reforma da administração pública estagnou para morrer na montra do Simplex; ou por que razões mil medidas na Educação não mudam substantiva e qualitativamente o facto de o sistema não educar nem preparar, geração após geração; ou de como as políticas públicas de combate à pobreza e à exclusão se mantiveram, ao longo destes três anos, na linha de uma desastrosa solidariedade do silêncio e da dependência; ou de como a Justiça, estando fortemente doente, decerto não se curaria apenas com mais um pacote legislativo.Bastava um olhar pelos indicadores de 2007 para se perceber que a classe média, entre o aumento do desemprego, a queda dos salários, os aumentos da taxa de juros e os níveis de endividamento das famílias estava pronta para ir por água abaixo ao primeiro abanão. Acaso não sabemos, todos, que nem sequer dependem de nós muitos dos pressupostos em que assentava a previsão do nosso crescimento económico?Neste debate, o Governo apresenta-se com uma mão-cheia de nada. É provável que cometa o erro de a enluvar numa pelica fina de sobranceria zombeteira e de cair na tentação de disparar, em sua defesa, uma catadupa de medidas avulsas, entre IVA, IRS e IMI, mais uns pós de subsídios, como cordas esfiapadas lançadas a quem se afoga. Podia antes, mas julgo que não será capaz, adiantar-se a este pingue- -pongue inglório e apresentar já as opções políticas que a elaboração do Orçamento de 2009 exigirá. Percebe-se que nesta curva descendente em que tudo se tornou questionável, até aquele pequeno tributo à vaidade que foi o "Tratado de Lisboa", o discurso da modernidade seja mais apetecível que o discurso de salvação nacional. O primeiro só requer uma película de verniz brilhante e a miríade das grandes obras públicas que funcionam como uma aspirina para disfarçar uma febre infecciosa. O segundo punha tudo em questão...Quer se veja a Nação como um grupo de homens unidos por um vínculo natural e, portanto, existente ab immemorabili, constituindo-se como base necessária para a organização do poder político, ou como a "vonta- de de viver juntos", o certo é que seria essencial saber da sua saúde, do seu estado anímico, dos seus medos e das suas expectativas. Levar para o Parlamento, neste debate, o "plebiscito de todos os dias" pode também ser a derradeira oportunidade para o tirar da rua. Porque à falta de foro mais eficaz será na rua que o desencanto, primeiro, e o desespero, depois, levantarão as suas barricadas.
jurista
É assim que se designa o último grande debate parlamentar antes de deputados e governantes irem a "ares". Uma designação promissora que - aprendi-o quando fui deputada e líder parlamentar - não corresponde às expectativas.É apenas um nome pomposo para um debate igual a todos os outros, com o Governo a dizer que governa e a oposição a falar de desgoverno. Mas a um ano das eleições, com o País arrastado por uma tripla crise global, integrado numa União Europeia à deriva, revelando definitivamente as suas debilidades endógenas, sem arcaboiço nem defesas próprias, este debate podia e devia ir mais fundo.O Governo de Sócrates iniciou uma série de medidas reformistas necessárias e oportunas. Em dado momento, porém, desmobilizou-se, confundiu-se, hesitou e arrepiou caminho. Ora, não existe nada pior que meias reformas. Se na primeira fase o primeiro-ministro usou de arrogância na imposição das suas certezas absolutas sobre Portugal e os portugueses, a seguir teve medo da rua, da organicidade das vozes discordantes, dos sinais públicos do descontentamento e da sua massificação. De cada vez que se sentiu ameaçado deu um salto à televisão para debitar o seu cativante monólogo. Uma receita que começa a não surtir efeito...Mas também é verdade que, até agora, as oposições parecem não se ter dado ao trabalho de monitorizar este zelo reformista.Nem sei se se deram conta do momento exacto em que, entrando em profunda contradição, Sócrates deu o golpe de misericórdia na reforma da Saúde; ou de como a tão propalada reforma da administração pública estagnou para morrer na montra do Simplex; ou por que razões mil medidas na Educação não mudam substantiva e qualitativamente o facto de o sistema não educar nem preparar, geração após geração; ou de como as políticas públicas de combate à pobreza e à exclusão se mantiveram, ao longo destes três anos, na linha de uma desastrosa solidariedade do silêncio e da dependência; ou de como a Justiça, estando fortemente doente, decerto não se curaria apenas com mais um pacote legislativo.Bastava um olhar pelos indicadores de 2007 para se perceber que a classe média, entre o aumento do desemprego, a queda dos salários, os aumentos da taxa de juros e os níveis de endividamento das famílias estava pronta para ir por água abaixo ao primeiro abanão. Acaso não sabemos, todos, que nem sequer dependem de nós muitos dos pressupostos em que assentava a previsão do nosso crescimento económico?Neste debate, o Governo apresenta-se com uma mão-cheia de nada. É provável que cometa o erro de a enluvar numa pelica fina de sobranceria zombeteira e de cair na tentação de disparar, em sua defesa, uma catadupa de medidas avulsas, entre IVA, IRS e IMI, mais uns pós de subsídios, como cordas esfiapadas lançadas a quem se afoga. Podia antes, mas julgo que não será capaz, adiantar-se a este pingue- -pongue inglório e apresentar já as opções políticas que a elaboração do Orçamento de 2009 exigirá. Percebe-se que nesta curva descendente em que tudo se tornou questionável, até aquele pequeno tributo à vaidade que foi o "Tratado de Lisboa", o discurso da modernidade seja mais apetecível que o discurso de salvação nacional. O primeiro só requer uma película de verniz brilhante e a miríade das grandes obras públicas que funcionam como uma aspirina para disfarçar uma febre infecciosa. O segundo punha tudo em questão...Quer se veja a Nação como um grupo de homens unidos por um vínculo natural e, portanto, existente ab immemorabili, constituindo-se como base necessária para a organização do poder político, ou como a "vonta- de de viver juntos", o certo é que seria essencial saber da sua saúde, do seu estado anímico, dos seus medos e das suas expectativas. Levar para o Parlamento, neste debate, o "plebiscito de todos os dias" pode também ser a derradeira oportunidade para o tirar da rua. Porque à falta de foro mais eficaz será na rua que o desencanto, primeiro, e o desespero, depois, levantarão as suas barricadas.
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